Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
.O filme "Ainda Estou Aqui" é uma obra-prima. De técnica cinematográfica apurada, o jogo de cores em compasso com o drama que se desenrola aos olhos do espectador, a narrativa em tom intimista
Deduziu-se das formulações filosóficas de Aristóteles que "a arte imitaria a vida". Tornou-se a frase um surrado chavão, repisado à exaustão por quem nem mesmo alimenta a mais leve desconfiança de que remontaria tal conclusão às elucubrações do Estagirita, aplicado discípulo de Platão.
Aqueles que se dedicam à escrita biográfica, gênero em alta no Brasil, em que pontificam Fernando Morais, Ruy Castro e o nosso Lira Neto, todos nascidos no berço do jornalismo profissional, são bem a prova disso. Para Fernando Morais, foi o que li em algum lugar, a vida real teria tantos personagens interessantes, tantas histórias fantásticas sobre que escrever, que bastaria contá-las e se tem um belo romance. Acho que foi mais ou menos isso que ele disse, se a memória não me trai.
Nessa categoria de grandes não poderia faltar Marcelo Rubens Paiva, autor que descobri já em sua estreia. Nos meados dos anos 1980, adolescente imberbe, li "Feliz Ano Velho". Era livro que passava de mão em mão entre os meus colegas do Colégio Santo Inácio. Confesso que não havia lido mais nada dele desde então até que me caiu no colo, muito tempo depois, o romance autobiográfico. "Ainda estou aqui".
Li com avidez. Redescobri Marcelo em sua melhor forma, falando da história de sua família, vítima da brutalidade da ditadura. O desaparecimento do seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva; a saga de Eunice, buscando reconstruir a vida e criar a família em meio aos escombros da perda irreparável, do luto jamais vivido.
Agora veio o filme. Uma obra-prima. De técnica cinematográfica apurada, o jogo de cores em compasso com o drama que se desenrola aos olhos do espectador, a narrativa em tom intimista. A família posta no centro da tragédia, em um ambiente muitas vezes claustrofóbico. A atuação impecável de Fernanda Torres valeu-lhe um merecido Globo de Ouro, prêmio da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood.
Seria a arte espelhando a vida, não fosse o fato de ter o filme, um sucesso retumbante de crítica e bilheteria, tornado a inscrever na agenda nacional o tema da responsabilização criminal dos assassinos e violadores de direitos humanos que agiram a soldo da ditadura militar de 1964, que seguem impunes, muitos dos quais recebendo gordas pensões do estado. Reabriu-se o debate, nunca superado.
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, um dos melhores quadros da vida pública brasileira, defendendo em plenário que o crime de ocultação de cadáver, dada sua natureza de crime permanente, não seria alcançado pela lei de anistia, invoca o filme de Walther Moreira Salles. Buscou na arte o socorro do presente, talvez dando razão ao dramaturgo Oscar Wilde, para quem "...a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida".
Nesse jogo de quem imita quem não vou entrar, faltam-me dotes intelectuais e cedo aprendi que em briga de pedra garrafa não se mete. Mas de uma certeza não abro mão. Ainda é tempo de trazer à luz os crimes da ditadura e punir os seu autores, condição essencial para atingirmos a plenitude democrática ou algo próximo disso.
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