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Relicário Criminal 17
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Relicário Criminal 17

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ENSAIOS refletem sobre as diferentes forças ao longo da história da política cearense (Foto: carlus campus)
Foto: carlus campus ENSAIOS refletem sobre as diferentes forças ao longo da história da política cearense

Em conversa com o amigo Paulo Barrocas, decano da Procuradoria Geral do Município de Fortaleza, sobre as coisas do Ceará de antigamente, contou-me ele, dizendo-se apreciador dos meus "Relicários", do célebre crime do Comendador Garcia, de que eu jamais ouvira falar. Assegurou-me que mandaria cópia de um artigo sobre o caso, de autoria de Júlio Abreu, publicado na Revista do Instituto do Ceará. Cumpriu a promessa.

José Nogueira Amorim Garcia, o Comendador, era uma importante liderança política de Quixeramobim, tendo tido atuação política na região ali pelos fins do período monárquico e inícios da república. Detinha posses e prestígio. Intendente, foi o responsável por que a estrada de ferro, que findava então em Quixadá, fosse estendida à sua Quixeramobim.

Homem cordato, de fácil trato, dois episódios, isolados, sem qualquer conexão um com o outro, vieram, todavia, a lhe roubar a paz e a vida. Primeiro deles. Ao prestar contas com um certo Irineu Dias, que tinha a seu serviço em uma fazenda, foi por ele acusado de não querer lhe pagar o devido. Faltavam, segundo o empregado, quatro mil réis. Indignado, cioso de sua reputação, pespegou um tabefe em Irineu, que aguentou calado.

Após este entrevero - agora o segundo episódio, o nosso Comendador veio a Fortaleza em companhia do Coronel Fausto Lessa, conterrâneo, amigo, embora militassem em campos políticos opostos. Na capital acomodavam-se ambos sempre na hospedaria do português conhecido como Manuel Farias, próspero comerciante. Lá pelas tantas Garcia dá pela falta de nove contos de réis, uma dinheirama. Põe na cabeça que Fausto lhe teria surrupiado a quantia. Chama a polícia e lhe move processo, na expectativa de que o pai do suspeito, o coronel Teóphilo Lessa, outra personalidade grada de Quixeramobim, cobriria o prejuízo, a bem do bom nome da família. O processo deu em nada. Sobrou o rompimento entre as famílias.

Então dá-se o crime. Era noite alta do dia 10 de dezembro de 1894. Estava Garcia ainda na estação de trem que seria inaugurada com pompa e circunstância no dia seguinte. Era a realização de seu sonho. Na volta para casa, foi atingido mortalmente com um golpe na cabeça por alguém que se soube ser Irineu, logo preso pela polícia. Caso encerrado, não se tivesse feito do processo instrumento da mais baixa perseguição política.

Conta-se que o acusador público responsável pelo caso teria visto ali chance de obter dividendos políticos e ocupar o espaço de liderança aberto com o assassínio de Garcia. Era o momento ainda de limpar a área, afastando potenciais competidores. Manipula a prova e implica, além de Irineu, Fausto e seu pai, e o advogado Diomedes Costa. À exceção deste, todos foram condenados e em cana.

Anos depois, ainda preso, Irineu, em crise de consciência, reconhece perante o padre e autoridades seculares haver agido sozinho, o que ensejou fossem todos indultados pelo Presidente do Estado, Pedro Borges. Menos Teóphilo, já falecido.

Para Júlio Abreu, este pode ser considerado "...o maior escândalo da história criminal e judiciária do Ceará". Pode ser.

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