Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
A vida degenerou em excesso de conteúdo, matéria-prima vazante que transborda por todas as latitudes, cada usuário o usurário de si mesmo, o explorador de sua própria mão de obra, da qual não extrai qualquer ganho salvo uma ou outra ninharia, com a qual se contenta ao final dessa jornada camusiana rumo ao abismo.
Por que produz, então? Porque o horizonte é o da imediata monetização, da rápida conversão de toda experiência ou trivialidade no papel-moeda digital que estrutura a elaboração narrativa, alimentando-se a roda do engajamento dia e noite, seja no discurso textual ou no audiovisual (da propaganda ao cinema, passando pelo jornalismo).
Disso são exemplares atualmente esses tantos vídeos com legendas, expediente cuja funcionalidade parece ter se perdido de vez. Antes empregadas para assegurar a acessibilidade, agora operam não mais como um apêndice, mas como um adorno da encenação que, de tão extravagante, acaba por ocupar toda a cena, esvaziando o sentido de qualquer lógica de tradutibilidade.
Daí que ninguém se atenha mais sequer ao vídeo em si, fisgado pelas letras da legenda saltando frenéticas em cores e tamanhos diversos, capturando das mensagens e das locuções apenas uma ou outra fração de sua ideia, como se essa ênfase em termos específicos do que se anuncia garantisse a inteligibilidade do conteúdo. Mas não garante.
E não se trata mesmo de oferecer a tradução - ou o acesso a PCDs, por exemplo - da vasta gama de conteúdo produzida, mas de reter uma audiência que, sem essas iscas visuais e sonoras, tal como crianças muito pequenas cuja atenção é oscilante, logo se dispersa, deslizando para o próximo corte (é como se chamam essas cenas fragmentárias) sem que o anterior tenha sido concluído.
Mesmo a clássica e eficiente cadeia de consumo, que demarcou a relação produtiva e mercadológico-publicitária até o início do império das redes, perde o prumo e se esgota na esteira dessa dinâmica agonística. Nela, as frases não enunciam nem formulam nada, e mesmo os títulos jornalísticos, antes concebidos para informar, valem-se de pegadinhas para atrair essa nuvem iridescente de arrobas distraídas que enxameiam as notícias como vagalumes prestes a desbrilhar.
Nesse deserto do real, nem Marx previra essa autosservidão voluntária que é o imperativo de se pôr em estado de produtividade incontinenti e irrecorrível, sem horas para descanso ou para uma caminhada, sem refresco ao longo do extenuante expediente de todo aspirante a "self-made" virtual disposto a transformar em dinheiro uma variedade de tópicos da cotidianidade mais banal, da acne ao sexo do bebê.
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