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Silvana será candidata apenas de evangélicos?
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Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.

Silvana será candidata apenas de evangélicos?

Em artigo, o professor e pesquisador Emanuel Freitas, da Uece, discute as tensões no campo do chamado voto religioso no Ceará
Silvana Oliveira, pré-candidata à Prefeitura de Maracanaú (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Silvana Oliveira, pré-candidata à Prefeitura de Maracanaú

Emanuel Freitas, cientista político e professor da Uece

Quem esteve na quadra poliesportiva de uma escola localizada no Jereissati I nesse sábado, 27, talvez pensou estar não numa convenção partidária que legitimaria uma candidatura à prefeitura de Maracanaú, mas num culto religioso realizado fora do templo.

Prestando um pouco mais de atenção, perceberia que, em se tratando da estrela central do evento, não poderia ser diferente: ali estava a deputada estadual Silvana Oliveira, evangélica aguerrida e importante liderança do campo religioso no Ceará com pretensões de derrotar, em outubro próximo, o prefeito Roberto Pessoa, de quem era aliada até março passado.

O público ali presente era, em sua quase totalidade, oriundo de igrejas de Maracanaú, fato constatado por blusas e gritos de júbilo os mais diversos. No palco, autoridades religiosas intercalavam-se com profecias, passagens bíblicas, palavras de louvor e momentos de oração, uma vez que ali havia o propósito de uma “guerra espiritual” (termo repetido diversas vezes) para vencer, dentre outras coisas, “o comunismo”, embora o munícipio nunca tenha sido governado pela esquerda, e esteja, há vinte anos, sob a batuta de um grupo político que apoiou Bolsonaro em 2018 e 2022.

Circundada pelos nomes mais importantes do bolsonarismo de Fortaleza e por um grupo grande de pastores que a “ungiram” e “profetizaram” a sua vitória “contra as forças do mal” na cidade, Silvana repetiu a performance que a acompanha na Assembleia: a de alguém que recebe uma delegação, em especial aquela dos “homens de deus”.

A “cristã que é deputada”, como disse Mayra Pinheiro, e que “obedece a Deus e segue a Cristo”, “que tem compromisso com Deus”; a “guerreira do povo de Deus”, conforme liderança conservadora da cidade, aquela que libertará a cidade “das garras do PT, da esquerda” e que, “quando fala na Assembleia, os demônios tremem de medo”; a deputada que “nunca deixou de defender valores da vida”, segundo Girão; uma “pré-candidata de Cristo”, lembrou Zambelli, para quem a “pátria é de Cristo”; enfim, uma série de qualificativos que passavam ao largo daquilo que, política e tecnicamente, a qualificariam para o governo da cidade.

Tal foi a constância da gramática religiosa no ato que André Fernandes, ao discursar, disse que, em pouco mais de tempo, “muita gente aceitaria Jesus”. A seu pai, também deputado, coube relacionar o PT a “satanás”, pois “mata e rouba”; para ele, a campanha de Silvana precisa de “trombetas” dos irmãos para “destronar o império da idolatria em Maracanaú”.

Não sei bem o que o deputado quis dizer. Desde a primeira administração de Firmo Camurça a influência de evangélicos na cidade não para de crescer, aumentando o poder de barganha e de participação no munícipio. Ganharam secretaria, festa gospel anual que substituiu a tradicional festa de aniversário do munícipio, patrocínio anual à Marcha para Jesus, prédios de propriedade de igrejas alugados pela gestão e por aí vai. Tudo isso ainda deixa o munícipio sob o “império” do mal?

Ao fim de seu discurso, Silvana prometeu três coisas: oposição à ideologia de gênero e aos “banheiros compartilhados” e um “estado laico” com maioria cristã. Essa será sua plataforma para governar Maracanaú? O ato de ontem não deixa dúvidas de que sua candidatura apostará na radicalização da “contaminação” da política pela religião. Maracanaú tem, segundo o Censo 2010, 20% de sua população declaradamente evangélicos. Radicalizada numa agenda que contemple apenas parte desse segmento, nem de longe seu resultado eleitoral ameaçará a hegemonia lá estabelecida.

Resta saber se o PL verá esse movimento como pródigo, digno da destinação de recursos numa campanha com chances pequenas de ao menos arranhar a hegemonia de Pessoa. A julgar pela simplória estrutura de ontem e pela não concretização da participação virtual de Michelle, parece que o partido ainda não crê na viabilidade.

Se sobrava crença no palco, parece estar faltando no interior do PL nacional. Talvez, a guerra espiritual de Silvana esteja em outro lugar.

Foto do Henrique Araújo

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