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Deu no New York Times
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Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.

Deu no New York Times

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Tipo Crônica

Pensei bastante na lista do New York Times e concluí que não havia nada de importante a dizer que já não tivesse sido dito, exceto talvez que o gesto de armar uma seleção do tipo escancara o que há no avesso, ou seja, tudo que resta fora, de modo que se trata de uma lista do que se mantém alheio ao escopo do olhar imperial e do seu obturador fotográfico.

Um exemplo? A influenciadora digital norte-americana, por sinal muito simpática, que vem se derretendo por Machado de Assis e, antes ou depois dele, não sei, também por Clarice Lispector e sabe-se lá por mais quantos brasileiros e brasileiras cujas obras são uma chispa de iluminação.

Lembro agora de Osman Lins, para ficar apenas em mais um nome que talvez um dia seja descoberto pelo mundo, com essa grande explosão de estridência virtual, mas nenhum questionamento sobre os mecanismos que fabricam listas e instituem cânones dos quais esses autores se veem distantes.

Ora, a leitura entusiasmada de Machado é reveladora do efeito de uma colonialidade residual, digamos assim, que se impõe como regime de exclusão do qual o colonizador também se torna parte diretamente interessada, não como vítima, mas como um algoz que subtrai de si um alargamento do próprio campo, estreitando-se de bom grado, mesmo quando está genuinamente disposto a se corrigir ao vivo - disso extraindo sempre algum ganho, gerando engajamento e amealhando seguidores nas redes a partir da benemerência literária.

Como disse, parece fofo, sobretudo num país carente de validação dos circuitos estabelecidos e de seus atores sociais, uma nação cujo ethos, marcado pela precariedade, se contenta com as histórias de atletas pobres que venceram obstáculos mil para ganharem uma medalha olímpica.

É possível que ter conhecido Machado na adolescência, no entanto, fosse importante para a formação da leitora gringa, como certamente foi para muita gente no Brasil ou em nações cujo desconhecimento do que se faz para além do próprio umbigo, como é o caso dos EUA, não fosse algo assim atávico e constitutivo de sua população.

Mas o sistema de trocas - a tal economia simbólica no curso da qual os jogadores posicionados, local e globalmente, detêm graus variados de capitais, o que vale também para as línguas e as suas literaturas - impediu-a de dar-se conta do nosso "bruxo" (nessa alcunha reside a própria ideia de miraculoso que excede qualquer explicação social, reputando Machado como ponto fora da curva), um autor negro e periférico escrevendo em português nos confins do mundo, ou seja, nas margens do que já era então liminar.

Daí às listas de jornal como inscrição de desigualdades e à sua lógica de proteção de mercado linguístico é um passo. Trata-se menos de exercer uma leitura crítica que se dedique realmente a examinar a produção contemporânea num diapasão menos tacanho, e mais de fazer passar como legítimo um ato de reprodução do que se entende por boa literatura escrita em língua inglesa, deixando de lado as operações de natureza puramente ideológicas.

O lado bom nisso tudo é o surgimento de muitas "contralistas", embora sejam respostas ainda débeis, é verdade, também elas marcadas por clivagens variadas, reféns do mesmo modelo estadunidense, mas agora abrasileirado, majoritariamente compostas de autores brancos do sul-sudeste, publicados nas mesmas duas ou três editoras e resenhados pelos mesmos três ou quatro críticos amigos e amigas nos dois jornais que ainda se dão ao trabalho de folhear um livro.

Foto do Henrique Araújo

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