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Fé no mercado e mercado da fé
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Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.

Fé no mercado e mercado da fé

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Tipo Notícia

Fé e mercado se confundem desde muito, mas há algo no panorama atual que destoa daquele varejão da espiritualidade no qual católicos e evangélicos competiam em livre concorrência, disputando capitais na bolsa de apostas das grandes denominações religiosas.

Em tempos de jogo do tigrinho e de ex-coaches alçados a cordeiros de ouro da Faria Lima, todavia, isso mudou talvez drasticamente. Deu-se, aí, uma transposição de mentalidades na esteira da qual o modelo instituído cedeu a vez para uma crença "prêt-à-porter", ou seja, pronta para usar, manufaturada em pequenos negócios, numa explosão de microempreendedores do credo alheio, seja de qual tipo for.

Eis que "pastores de garagem" ascendem aos céus e aos seus, gerenciando uma miríade de cultos nas periferias e nos grandes centros, no âmbito dos quais se fiam unicamente na palavra dos epítomes de sucesso do momento: multimilionários-candidatos que se convertem, pelo poder aural do dinheiro e pela força retórica do testemunho, em condutores de um rebanho preso a esse milenarismo digital de fácil aderência ao espírito do tempo, mas absolutamente descolado do real.

Daí que Marçal, o próspero (ainda ele), faça boa colheita nesse terreno movediço. Ora, quem mais acena com esse léxico cujas partes combinam as gramáticas do dinheiro e da religião, tomando a si mesmo como exemplo e se projetando como horizonte de autorrealização ideal-típico?

Para tanto, assegura o novo Cristo dessa igreja fora dos muros da igreja canônica, basta um "retrofit" no "mindset" e um mergulho na cartilha do êxito a fim de assegurar o salto performático (acordar e enxergar, exatamente como na metáfora do cultuado "Matrix", que ganhou releitura pelo conservadorismo).

Ao cabo desse tortuoso processo de travessia do deserto, o crente/apostador/aspirante chega ao topo da montanha (real e metafórica), atingindo a culminância do potencial de expansão das próprias habilidades, quer se esteja falando do motorista do Uber ou do alto investidor.

Trata-se de um tipo de discurso que opera na vala comum das brechas entre o fracasso das democracias liberais em acolher faixas de população empobrecida e esse momento do capitalismo no qual tudo que é sólido desmancha no ar, até mesmo as lideranças consolidadas à frente de audiências mobilizadas em torno de outros "mitos".

O que se vê agora é uma espécie de virada fusional entre empresa e religião, tendo o digital como meio de produção e a atenção como matéria-prima, com maximização de ganhos e orientada para uma lógica da reprodutibilidade. Sai a fidelidade em larga escala, ancorada na vocação e devotada ao templo como palco do exercício creditício.

Entra o sujeito, atomizado e automonetizável, como lócus privilegiado do louvor doutrinal e das suas ilimitadas liberdades para fabricar seus próprios marcos de fé e de salvação (tal como Marçal), definidos segundo as balizas de uma política individualizante que faz de cada fiel o seu chefe/líder/guia na difícil tarefa de chegar ao ápice.

Foto do Henrique Araújo

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