Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Talvez não seja coincidência todo esse esgotamento dos modos de vida individualizados e do planeta, ou seja, do sujeito e do ecossistema, do social e do terreno, do pessoal e do coletivo. Pandemias de ansiedade e de vírus, de consumo hiperluxuoso e de extração acelerada dos recursos.
A ideia em si de extração como categoria de tradução do momento, enquanto a norma que impera é a do presentismo extremo, numa dessincronia escancarada entre vida e ritmos biológicos, entre nós e o lugar onde vivemos, entre humano e terra.
Afundados no instante, sem passado porque a narração colapsou e sem futuro porque o horizonte se encurtou, apelamos a uma "cosmética transcendental" (soluções miraculosas de toda ordem) para gerir impasses para os quais não há resposta sem alteração drástica de parâmetros de produção e de distribuição, inclusive e sobretudo o de desenvolvimento e de sustentabilidade.
Me pergunto se esse movimento em torno do "flow", típico de uma classe média ilustrada, não seria uma forma de gestão gourmetizada do escasso, isto é, do que já começa a se gastar sem reposição, em progressiva agonia. Falo desses charmosos exercícios de desapego, empacotados e vendidos como microrreações de consumidores pesarosos, mas dispostos a sacrificar pequenas porções de seus impérios de acumulação para assegurar alguma sobrevida aos viventes.
Saem o acordo político, a mobilização e a perspectiva histórica como métrica de planejamento e de enfrentamento. Entra o "react" pessoal como síntese da conduta do usuário/espectador que coloniza as redes, desamparado e sem projeto, disso derivando toda uma estética "pavloviana" de reação ao estímulo.
Mas o que seria então recomendável diante das circunstâncias de excepcionalidade? Decrescer, des-desenvolver, andar para trás e não para frente, desacelerar e demover, despressurizar e desfrenetizar a comunicação para ressincronizá-la com o relógio do mundo. Ou seja, reatar com uma certa lógica anti-moderna, voltada ao salto de retroação na tentativa de restabelecer condições de habitabilidade em nossa casa.
Não há garantia, contudo, de que esse "grande recuo" seja a saída para o abismo que se aproxima - talvez já se viva no abismo irrevogável, agora. Diante dele, mesmo o gerenciamento bem-intencionado da crise é aposta fracassada de antemão, inviabilizado por tudo que já se despejou no ar e nos rios, nas florestas e nos oceanos - por isso é igualmente falha a noção de sustentabilidade sem decolonialidade.
Tampouco há religiosidade que faça desaparecer o problema. A falência bate à porta. A crise se instalou. Os sinais estão por toda parte, das nuvens de fumaça eclipsando continentes à desagregação social representada por fenômenos a la Trump e Bolsonaro, das queimadas à exaustão da matéria, da emergência dos conflitos bélicos aos novos quadros patológicos que resultam da busca desesperada em compatibilizar o próprio corpo à velocidade da máquina, perseguidos pela meta de se mostrar sempre à altura da escalada das demandas de performatividade.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
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