Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Vejo essas imagens de uma campanha na qual os candidatos se empoleiram em paredões no sábado à noite ou no domingo de manhã, à direita ou à esquerda, e logo me vem a certeza de que se perdeu qualquer fiapo de pudor em ser-se cafona e deseducado em praça pública.
Equipamentos medonhos e estrondosos, esses conjuntos de caixas de som dispostas umas sobre outras, de modo a amplificar a voz do postulante (nem sempre agradável), mas também a interromper qualquer tipo de rotina, representam a quintessência da incivilidade, do barbarismo e da cacofonia num mundo já fartamente dotado dos três predicados, e tão pouco de urbanidade, discrição e silêncio.
O paredão é, de longe, uma maximização da lógica da caixa pessoal e de sua portabilidade emergente como signo de diferenciação numa massa de consumidores/usuários. Ou seja, é o extremo do credo ultraliberal de que o indivíduo pode se autoconceder passe-livre para colonizar o espaço de convivência com emissões de toda ordem, quer esteja no privado ou no coletivo, não havendo fronteiras nem demarcações de dentro e fora.
No deck do condomínio de classe média alta ou na esquina da rua mais movimentada do bairro de periferia, predomina essa "estética da caixa" como princípio unificador que rege as relações, impondo-se como métrica social de que deriva todo um gosto associado, da indumentária ao repertório gestual avacalhado. Duvidam?
É ouvir o cancioneiro nas alturas, e já se pode supor (eu suponho, pelo menos, e em alguns casos preconceituosamente), sem sair do lugar, o tipo que alteou o volume da JBL avantajada e bem postada na borda da piscina ou no vão da sala, talvez mesmo na varanda no finzinho de tarde, inundando a ambiência com uma algaravia de que masculinamente se orgulha (menos pelas letras e pela melodia, e mais pela potência de se fazer audível em nível jamais imaginado, alcançando um gozo acústico a partir do desespero alheio).
Espécie de mecanismo de compensação por seja lá que atributos menos superlativos de sua anatomia, o "som alto emparedado" é desde já marca destes tempos de excesso de compartilhamento e de tácita disponibilidade.
Dela se conclui que qualquer conduta tem de estar à vista permanentemente, disponível e acessível à maior quantidade de pessoas, prontas a performar o papel da audiência cativa para a sua exibição de capitais.
Seja o macho bebericando no bar da esquina ou na praia, seja o aspirante a cargo público em modos de conquistador perorando em pleno meio-dia para bajuladores no cocuruto da máquina altissonante, o delírio de "protagonista da própria história" assalta esses pequenos Napoleões do ego anabolizado.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
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