Eleição de Evandro fortalece Camilo, mas não é vitória pessoal do ministro
clique para exibir bio do colunista
Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Eleição de Evandro fortalece Camilo, mas não é vitória pessoal do ministro
O resultado foi uma sutil combinação de acertos de Evandro com erros de André, entre os quais se incluem os tropeços na reta finalíssima, com as lambanças do vereador Inspetor Alberto (PL) ocupando um capítulo à parte
Foto: FCO FONTENELE
Fortaleza, CE, BR 27.10.24 Comemoração do prefeito eleito Evandro Leitão no comitê da campanha (FCO FONTENELE/O POVO)
Não há dúvida de que o sucesso de Evandro Leitão (PT) nas urnas fortalece o ministro Camilo Santana (Educação), mas não se pode creditar a eleição do deputado estadual como novo prefeito de Fortaleza unicamente ao capital do ex-governador, tal como se fez em 2022, quando Elmano de Freitas chegou ao Abolição ainda no 1º turno por obra de sua força. Diferentemente daquela disputa, a deste ano se deu noutros marcos, com desdobramentos igualmente distintos. Entre o 1º turno e o 2º, por exemplo, a campanha de Evandro se alterou significativamente, com engajamento da militância petista, sem o qual a vantagem de pouco mais de 10 mil votos dificilmente teria sido assegurada. Escolhido como nome de Camilo, o presidente da Assembleia Legislativa entrou no pleito lastreado na fórmula bem-sucedida de dois anos antes, qual seja, a de colar a imagem de candidato à de seus padrinhos, notadamente à do ministro e à de Lula. Na largada, a previsão era cantada em prosa e verso entre aliados: concluir o 1º turno na frente e partir para o subsequente contra o concorrente bolsonarista André Fernandes (PL), fustigando-o por suas ligações umbilicais com o ex-presidente. Não foi, todavia, o que se viu.
O “nó tático” de André
Evandro ficara atrás no placar, e André tratara de esconder Jair Bolsonaro, dando espécie de nó tático no QG petista. O estratagema do grupo “camilista”, portanto, não se mostrou suficiente mesmo na etapa inicial da briga pela sucessão ao Paço, ao fim da qual André abriria 80 mil votos – ou 6 pontos percentuais – sobre o adversário. Uma vez no 2º turno, os problemas da chapa de Evandro e as deficiências do postulante nos debates permaneceram. A isso se somou o potencial limitado de transferência de capital político do presidente da República para o nome do PT na cidade, como ficou evidenciado nas rodadas de pesquisas logo após a segunda visita de Lula a Fortaleza. Para piorar a vida do aspirante a prefeito, o 3º e o 4º colocados no pleito, José Sarto (PDT) e Capitão Wagner (União Brasil), engajaram-se direta ou indiretamente na campanha do seu oponente. O quadro parecia difícil de superar.
“Mutirão” de prefeitos e adesão do PT
Matematicamente, se ambos transferissem ao menos parte de seus votos, a fatura estaria liquidada. Nesse momento, porém, a disputa ganhou nova dinâmica, com adesão consistente de setores importantes do PT que haviam se mostrado resistentes a pedir voto para Evandro no 1º turno. Antes esvaziadas, as esquinas da cidade foram aos poucos se cobrindo também de vermelho, em contraste com o azul de André. Logo o cenário começou a se equilibrar. O movimento ganhou impulso com o mutirão de prefeitos do interior alocados na metrópole, tática de Cid Gomes implantada em 2012, ainda na eleição de Roberto Cláudio, e desde então repetida em Fortaleza a cada novo ciclo político. Uma terceira variável teria seu papel: vídeos não explorados de André, a exemplo da peça na qual ele debocha de feminicídios e cujo teor foi suficiente para nacionalizar de vez a queda de braço no Ceará, fazendo a imagem do nome do PL correr o Brasil – negativamente, diga-se. A partir daí, André não saiu mais das cordas, tendo de se explicar não sobre produções caseiras e de caráter moralista de quando ainda era adolescente, mas sobre conteúdos de poucos anos atrás, quando já era deputado.
O que foi determinante para Evandro e André
Tudo somado, o resultado foi uma sutil combinação de acertos de Evandro com erros de André, entre os quais se incluem os tropeços na reta finalíssima, com as lambanças do vereador Inspetor Alberto (PL) ocupando um capítulo à parte. “Zero um” do candidato do PL, o bolsonarista jogou por terra os esforços de contenção do seu candidato, explicitando um tipo de comportamento que, embora seja comum a muitos apoiadores do ex-presidente da República, tinha sido estrategicamente deixado de lado durante toda a campanha eleitoral para a Prefeitura. É como se Alberto tivesse rasgado o pano de uma encenação eleitoral, fazendo lembrar a todos o que talvez pudesse se traduzir como uma prévia da gestão de André. Dito isso, desconfio das leituras segundo as quais o episódio pode ter exercido papel definidor no voto dos indecisos, desequilibrando a balança a favor do petista numa peleja renhida.
Os números contam história
Evandro terminou o 1º turno, recorde-se, 80 mil votos atrás de André, mas avançou 235.959 votos em relação ao patamar que havia alcançado em 6 de outubro (480.174 votos), ante 142.990 votos a mais do adversário (o representante do PL foi de 562.305 votos no 1º turno para 705.295 votos no 2º). A diferença no ganho de votos entre Evandro e André, então, foi de 92.969. Ora, não se abocanha uma fatia relativamente gorda do eleitorado apenas em razão de eventual desgaste na esteira de um episódio isolado ou outro, a despeito do caráter asqueroso das atitudes de Alberto. Sei que é mais fácil, a esta altura, culpar o vereador, sobre cujos ombros devem recair as explicações para o fracasso da chapa, mas André não foi derrotado por causa dos atos do aliado, mas sobretudo pelos próprios. Por fim, o mapa das zonas eleitorais de Fortaleza talvez ajude a compreender o que pode ter pesado para que Evandro superasse a distância que precisou vencer nas urnas, abrindo os 10 mil votos decisivos a partir de uma maioria cristalizada nas 80ª, 82ª e 113ª ZEs, dentro das quais se encontra um “cinturão universitário”. Novamente, é tentador atribuir o sucesso do petista aos quase 9 mil votos de dianteira que obteve sobre André em bairros como Benfica, Gentilândia, Montese e José Bonifácio, todos da 113ª. Esse estirão não teria sido bastante, todavia, sem a melhora substancial de performance nas demais zonas onde o oponente amealhara liderança mais folgada no 1º turno, notadamente naquelas da periferia (94ª, 85ª, 116ª e 117ª).
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.