Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Em algum momento a moda do colete da Faria Lima entrou em cena, convertida em signo do poder, ou seja, quem o vestisse comportaria essa senha tácita que se comunica com um público sem se comunicar, que fala sem necessidade de expressar qualquer palavra.
E o que essa língua transmite à audiência difusa das redes e das ruas? Um certo ideal de vida para além do estilo e do que se entende vulgarmente por gosto, assumido quase sempre como tema cuja apreciação é indiscutível.
Tome-se o colete ao pé da letra, porém. O que diabos é? Um casaco acolchoado, com bolsos laterais e internos, sem mangas e normalmente em cores fechadas, frequentemente preto ou verde-musgo, numa relação cromática que se estabelece por contraste com a camiseta branca sobre a qual se sobrepõe, de maneira a compor um conjunto ajustado às circunstâncias, nem muito formal nem excessivamente informal.
Espécie de sapatênis com grife e grande potencial para tender ao lado brega da força, vai bem para situar socialmente o usuário e distingui-lo (é sua finalidade) de uma massa para a qual esse recorte de alfaiataria figura como objeto de consumo distante, não só pelo preço, de resto impeditivo, mas por sua usabilidade dificultosa e algo extravagante.
É assim que qualquer alencarino é visto a desfilar sob sol de meio-dia numa Dom Luís engarrafada e tepidamente insalubre, qual seja, como um viajante do tempo ou colonizador recém-aportado a quem faltassem informações mínimas sobre condições de habitabilidade na nova cidade.
Para uns o suprassumo do elegante e para outros do cafona, qual é afinal a "raison d'être" do colete? De material cuja confecção se destina a aquecer, é um contrassenso ambulante e enigma insolúvel para qualquer costureira de bairro por se tratar de vestimenta cavada, requerendo um complemento.
Logo, se quem o utiliza pretende se precaver contra alterações climáticas abruptas em um mundo na iminência do colapso ambiental, recorre a um artefato ineficiente, que exige que se cubra com outro metro quadrado de pano para compensar o que visivelmente lhe falta.
A seu favor, defensores alegam supostas mobilidade e versatilidade, qualidades do mundo contemporâneo asseguradas pelo desenho arrojado. É, pois, um item moderno para um segmento que tem de se impor terno e gravata na maior parte do tempo e cujo descanso às sextas-feiras ensejou a adoção dessa regata mais enfeitada. Compreensível, mas não justificável.
Tenho cá meus palpites sobre o fenômeno "vestimental", para o qual olho com lentes de antropólogo em Marte. Um deles é de que essa presepada da baixa-costura encontra guarida no "dress-code" de uma facção política sui generis. Para ela, as noções de "blindagem" (da família, do casamento, do "mindset"), "esportividade" e "combatividade", conjugadas em simultâneo, são especialmente valiosas, superando qualquer métrica de conforto ou adequação.
Daí que o matuto da capital cearense prefira andar porejando suor na axila a ter de sacrificar essa vanguarda do guarda-roupa refinado. Antes sofrer a se ver obrigado a abrir mão de uma simbologia de privilégios que comunga com uma gramática para a qual Pablo Marçal é gestor e Tarcísio de Freitas, um quadro técnico (ambos amantes do colete, por sinal).
O dispositivo se associa, assim, a uma eufemização da política e ao mascaramento dos interesses de classe, travestindo sua trupe de iguais, que se autoidentifica pelas vias da urbe agitada, seja acima ou abaixo da linha do Equador, apontando-se uns aos outros como adolescentes trajando a camisa da mesma "boy band" dos anos de 1990.
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