Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Tome-se o caso de Moraújo, município no qual o chefe do Executivo, à procura de gente competente e talhada para o ofício da administração da coisa pública entre seus milhares de concidadãos, não encontrou ninguém mais gabaritado do que a noiva e o pai, agora ambos secretários
Na abertura de "O homem cordial", capítulo central de "Raízes do Brasil", de 1936, Sérgio Buarque de Holanda escreve: "O Estado não é uma ampliação do círculo familiar". Mais adiante, a não deixar dúvida, o ensaísta insiste que "não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição".
Veja-se a palavra empregada por Buarque de Holanda: oposição. Isso talvez valesse para o restante do Brasil, o que se sabe que não era bem verdade, mas não para o Ceará de hoje, cujos prefeitos, eleitos ou reeleitos, têm se saído como autênticos representantes de uma cordialidade jamais esquecida de todo.
Tome-se o caso de Moraújo, município no qual o chefe do Executivo, à procura de gente competente e talhada para o ofício da administração da coisa pública entre seus milhares de concidadãos, não encontrou ninguém mais gabaritado do que a noiva e o pai, agora ambos secretários.
Cuide-se que o mau exemplo não para por aí - tampouco começou por lá. Verdadeiros dignitários de uma "república da parentela", onde cada ramo consanguíneo se acha sempre à sombra de algum cargo mais ou menos graúdo, os mandatários de turno estão prodigalizando a barafunda.
Cordialidade à cearense
Dito em bom português: a situação está uma várzea, com esposas alçadas a postos de comando em todos os âmbitos, filhas e filhos subitamente catapultados para o estrelato de sinecuras de toda ordem, netos que se descobrem parlamentares do dia para a noite ao custo de uma ninharia, sobrinhos acolhidos no grande coração de mãe de uma qualquer prefeiturinha (a despeito de eventuais rombos nas contas), primos metamorfoseados em técnicos assumindo tarefas mui honradas e por aí vai. Da Caucaia ao Orós, do litoral ao sertão, o patrimonialismo - no seu sentido buarquiano - campeia sem que lhe ponham freio.
Nada de novo
Talvez haja certo exagero aí, claro, e o estado geral das coisas sempre tenha sido esse, ou seja, o familismo operando como métrica das relações políticas, sobrepondo-se ao rito burocrático (institucional e coercitivo) na composição do Estado de que fala Buarque de Holanda. Mas é possível também que, entre nós, o domínio familiar esteja se alargando, a ponto de estruturar a constituição de grupos do tipo.
Nos dedos, contam-se hoje ao menos cinco ou seis, entre maiores ou menores, em posições distintas na escala de poder local: Santana, Ferreira Gomes, Aguiar, Pessoa, Rodrigues, Amorim, Oliveira etc. Os mais antigos, em franco declínio. Os mais novos, disputando o campo partidário com as armas de que dispõem.
Daí o capital do sobrenome ter-se convertido nesse elemento valioso de reprodução, replicando-se pelas gerações seguintes mesmo quando originalmente não tinha essa função designativa do clã.
O rombo é maior?
O prefeito Evandro Leitão (PT) vem refazendo os cálculos no Paço, e o rombo de R$ 2 bilhões, segundo ele deixado pela gestão de José Sarto (PDT), pode extrapolar esse patamar já superlativo. Por razões óbvias, a cifra é preocupante, mas deve produzir estragos não apenas aos cofres do Executivo municipal.
Ora, 2026 está logo ali. Nele, é de se supor que o bloco derrotado em 2024 (e também em 2022 e 2020) tenha planos de apresentar candidatura para fazer frente ao governo de Elmano de Freitas (PT). É do jogo político.
Ocorre que o discurso de "terra arrasada", adotado de pronto pelo governismo desde dezembro passado, quando Evandro sequer tinha assumido a batuta de prefeito, não tem encontrado muita resistência para se assentar. Pelo contrário, mesmo Sarto não parece se sentir tão encorajado a rebater qualquer acusação que o petista faça contra ele - nem Roberto Cláudio ou um dos tantos aliados que se escoravam na administração do pedetista até pouco tempo atrás levantaram a voz.
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