Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Talvez já tenha passado da hora de começarmos todos a desinfluenciar, ou seja, a exercer uma influência com sinal invertido ou nenhum, destinada a encorajar uma potencial audiência a que deixe de fazer o que supúnhamos que devesse, e passe a fazer o que lhe der na telha.
Parece complicado, mas é simples. A um "desinfluencer" de destaque, com milhões de seguidores e selo de verificação, caberia, entre tantas possibilidades de atuação, desestimular o consumo excessivo ou a adoção dos algoritmos como métrica de vida, fazendo minguar, se preciso for, sua própria base de fãs.
Das técnicas de embelezamento às dicas de treino, das sugestões de cardápio às listas de livros, nada escaparia da potência silenciosa e desanimada desse Zuckerberg no multiverso, cujo principal atributo seria o poder de convencimento de que não há nada nem ninguém que se possa convencer.
Onde houver ligeireza, pregaria a oração do desinfluencer, que eu leve a vagarosidade. Onde houver LED, que eu leve o "chiaroscuro". Onde houver estridência, que eu leve o mutismo. Onde houver "lifestyle" multitarefas, que eu leve a concentração. Onde houver cardápio em QR code, que eu leve o velho menu de papel e todos os seus pecados ortográficos.
O problema, no entanto, está na definição do limite a partir do qual um desinfluenciador se torna um influenciador, embaralhando fronteiras ao ultrapassar essa linha tênue que opõe os dois mundos e transgredindo a separação entre igreja e estado.
Nesse caso, ter-se-ia um impasse ontológico, que incide diretamente sobre a natureza do ser. Afinal, desinfluenciar já não seria, por si, proceder a algum tipo de influência, tal como esses escritores cuja retirada do mundo continua alimentando teorias conspiratórias e movendo uma roda de curiosos, que acabam por vê-los em todos os lugares e obras?
Ainda que se possa considerar essa questão transcendente, trata-se de um risco insignificante diante de todos os inegáveis benefícios que se divisam no horizonte desse novo tempo.
Um tempo, evidentemente, dominado por perfis voltados não para a conquista ou para o acúmulo primitivo de capital cognitivo, mas para o desaconselhamento amoroso e outra série de pequenos investimentos na gramática do contrário, no gesto do avesso, na poética do escasso.
A uma abundância de frágeis conexões e atenção intermitente, se sucederia uma cultura do off-line e do fora de cobertura, repondo a centralidade da dúvida sobre o paradeiro do indivíduo. Já não seríamos rastreáveis nem teríamos nossos gostos e egos processados por uma inteligência artificial (IA) capaz de antever nossos passos e predizer expectativas com uma margem de duas décadas apenas com base em nosso histórico de pesquisa.
Estaríamos longe desse mundo em vertiginoso curto-circuito, compondo outras redes (mais concêntricas e menos verticais) sem a necessidade de pretender influir o tempo inteiro sobre o que cada pessoa há de preparar para o jantar ao final do dia.
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