Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Tenho ouvido cada vez mais "troca" como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não.
No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisapositiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz.
Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é "entrega", malhar é "treinar", pensar na vida é "reconfigurar o mindset" e praticar é "aprimorar competências", naturalmente a conversa passa à condição de troca.
Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite?
Fiquei pensando nisso mais tempo do que gostaria, isto é, uns bons minutos da manhã e outro bocado de tarde, enquanto batucava no teclado e rolava a tela, deslizando vídeos e mais vídeos nos quais participantes de um reality se enredavam freneticamente numa gincana de trocas cujos início e fim não se divisavam.
Estou trocando com ela, ele trocou comigo, não tivemos uma boa troca no começo do jogo, as trocas estão num bom nível agora, não sabe fazer uma troca com outra pessoa, ontem trocamos e foi legal etc.
Suspeito que o horizonte seja o da obtenção, se não de um lucro real (financeiro e/ou material), talvez de um imaginário, simbólico, sempre presente como meta ou finalidade, ainda quando tacitamente ignorada.
Novamente, o que interessa é menos o conteúdo e mais a forma, menos o quê e mais como. Trocar, sob essa chave de leitura, é uma operação comercial entre partes mutuamente envolvidas num ganho presumido - um prêmio?
Mesmo quando a troca parece despretensiosa, distante de todo cálculo, há no bojo um interesse desinteressado. Dito em bom português: interesse que busca se mostrar livre de todo interesse, direcionado a soar desinteressado da conquista de um objetivo previamente estabelecido.
Logo, impera o jogo do disfarce, da máscara e do simulacro, do qual a troca é a regra principal. Porque as relações não se esgotam nesse processo de dar e receber cuja métrica é equacionada matematicamente: nossa troca foi boa, tivemos uma boa troca, estamos começando a fazer uma troca.
No mais das vezes, não há parâmetro de mensuração, fórmula ou algoritmo que capture o que se troca na troca, que deixa de ser troca se a gente sabe exatamente o que se troca, tampouco se algo se troca.
Mas continua sendo troca, paradoxalmente, porque a linguagem se contaminou pela lógica de outra troca - esta, sim, capitalizada e monetária, à mercê de uma gramática que coloniza a vida como um todo, dentro e fora da televisão.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
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