Integrante do Grupo O POVO há 5 anos, com passagem pela redação do Esportes O POVO e atualmente como repórter setorista do Ceará Sporting Club. Nesta coluna se volta à paixão pelo futebol europeu, ampliando o espectro do já estabelecido Clássico-Rei local.
Devido aos últimos resultados em competições nacionais e internacionais, o Tricolor do Pici é muitas vezes comparado a clubes em ascensão na Europa. Convido você a analisar as campanhas e observar as semelhanças entre elas
Foto: JAVIER SORIANO / AFP
Ex-jogador do Fortaleza, Éderson vem se destacando no futebol italiano
Quantas vezes você se deparou, em meio a uma transmissão de algum campeonato europeu, com a pergunta: “Esse time ‘X’ é tipo o Fortaleza?”. Ou até o contrário. Em algum momento de um jogo do Leão em emissoras fechadas, vinha a comparação com tal time do Velho Continente. Pois bem. Decidi separar alguns desses clubes que tiveram uma ascensão recente, para buscar uma resposta: é plausível comparar? O que há de comum ou incomum entre eles?
Separei três clubes – Atalanta, Brighton e Leicester – de dois campeonatos nacionais europeus (Série A e Premier League) com que vejo semelhanças significativas na trajetória com a do Leão do Pici. São exemplos de sucessos nos últimos anos, alguns mais recentes, outros já não vivendo o seu melhor momento, mas todos contextualizados à sua época.
Atalanta
Começando com a Atalanta, clube de Bérgamo, da região da Lombardia, no norte da Itália, que é conhecida por ser uma cidade turística. A Dea, como é apelidada, conseguiu uma ascensão histórica no
Futebol, em italiano
após apostar em dar total liberdade a um treinador, fazendo um trabalho com recursos muito menores do que os principais adversários e tendo seus atletas vendidos para os próprios rivais ao longo das temporadas. Observou alguma semelhança?
A Atalanta Bergamasca Calcio, desde sua fundação (1907), nunca tinha conseguido classificação para a Champions League. Até que a Dea decidiu pela contratação de Gian Piero Gasperini, na época, um técnico que havia tido uma passagem horrível pela Inter e saído do Genoa após três temporadas no comando dos Grifoni.
Gasperini tinha uma ideia clara do que pensava sobre futebol: ofensividade, transição rápida e agressividade pelos lados e no centro, tudo isso com uma base sólida de três defensores. Porém, foi somente na Atalanta que ele conseguiu aplicar suas ideias ao ápice com um ousado 3-4-3, que contou com Rafael Tolói, Papu Gómez e Kessié, levando ao quarto lugar na temporada 2016/17 e encantando toda a Europa com seu futebol.
Apesar das semelhanças, como a aposta no estilo de jogo do treinador — que permanece lá até os dias atuais —, terem conseguido um quarto lugar no nacional logo na primeira temporada e apostarem em esquemas não habituais para realizarem suas ideias no futebol (Gasperini com o 3-4-3 e Vojvoda com o 3-5-2), e até dividirem um ídolo, o volante Éderson, em sua terceira temporada pela Atalanta, há algumas diferenças que impedem a precisão da comparação.
A primeira é a torcida e potencial dela. Bergamo é uma cidade com pouco mais de 100 mil habitantes e a Atalanta joga em um estádio com capacidade para 24 mil pessoas. É uma realidade completamente oposta à do Fortaleza. O Leão supera a Dea em número de torcedores por muito, além de jogar em um estádio que comporta mais da metade da população da cidade italiana.
O segundo ponto são os resultados alcançados. Apesar de o Fortaleza estar em sua terceira Libertadores em cinco anos de Série A, Vojvoda não conseguiu um título expressivo, algo que também marcava Gasperini. Tudo mudou quando a Nerazzurri foi campeã da Europa League 2023/24. Porém, vale ressaltar que a Atalanta tem um título da Coppa Italia, que é algo semelhante à nossa Copa do Brasil.
Leicester
Leicester City, um dos times da maior região em área da Inglaterra, as East Midlands, do condado de Leicestershire, sempre foi considerado um time pequeno/emergente. Nunca conseguiu se estabilizar na primeira divisão, mesmo disputando de forma recorrente a Segundona. Tanto que os Foxes só apareceram na era Premier League na temporada 1999/00, onde permaneceram até 2001/02. Desde então, voltaram à cena em 2004/05, em 2014/15 até 2022/23 e retornaram na atual 2024/25.
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Crédito: Ben STANSALL / AFP
O cenário do Leicester muda drasticamente quando demitem Nigel Pearson, que havia conseguido o acesso como campeão da Championship 2013/14 e a permanência na Premier League na temporada seguinte, alegando “divergências de perspectivas” e assinam com Cláudio Ranieri para a conquista de um dos títulos mais inacreditáveis da história do futebol mundial.
Romanista assumido, Ranieri chegou ao Leicester em um momento de baixa na carreira, pensando em aposentadoria. Mesmo acumulando passagens por Juventus, Napoli, Atlético de Madrid, Chelsea, Inter, Roma e outros gigantes, o treinador chegava aos 64 anos sem nunca ter conquistado um título de grande expressão. Com o Leicester de Mahrez, Vardy e companhia, isso mudou após ganhar a Premier League, adiando os planos de encerrar a carreira.
Muitas dessas comparações surgiram na campanha do Fortaleza realizada em 2024, especulando se o clube conseguiria o título brasileiro, quando estava ao lado de Palmeiras e Botafogo na disputa. De fato, há sentido. O Fortaleza foi a sexta menor folha salarial e o quinto menor investimento entre os clubes da primeira divisão. Situação semelhante à do Leicester — em que se pese os valores estratosféricos das folhas das equipes da Premier League. Manchester City e United, por exemplo, gastaram na campanha do título das Raposas mais de 100 milhões de euros cada.
Porém, as semelhanças acabam na diferença financeira com os rivais. O trabalho do Leicester foi muito mais um acaso bem aproveitado do que um planejamento a longo prazo. O maior exemplo foram as segundas temporadas dos clubes na elite. O Fortaleza passou um turno inteiro na luta contra o rebaixamento e não demitiu Vojvoda. Já os Foxes não aguentaram a má fase e dispensaram Claudio Ranieri.
Faço o adendo que isso não diminui o feito e o trabalho realizado pelo clube inglês, mas, apesar de ter conquistado um título muito maior do que o técnico argentino tenha conseguido, o trabalho no Pici me parece bem mais consolidado.
Brighton
Brighton & Hove Albion Football Club, popularmente conhecido como Brighton, é o resultado da união de dois clubes e duas cidades inglesas do condado de East Sussex. Mesmo com a unificação, os Seagulls não conseguiram colocar nenhum título de expressão em sua galeria.
Atacante João Pedro marcou gol histórico que garantiu o Brighton nas oitavas de final da Europa League
Crédito: Glyn KIRK / AFP
As semelhanças com o Fortaleza começam com o direcionamento tomado pela equipe ainda quando Chris Hughton estava no comando, porém foi mais bem aproveitado com outros técnicos. O Albion apostou forte no mercado sul-americano, encontrando peças que estavam “abaixo do radar” de grandes estrelas e trazendo jovens para serem lapidados no clube. E, na temporada 2021/22, na terceira de Graham Potter à frente do clube, o Brighton saiu da habitual briga pelo rebaixamento para um nono lugar na Premier League.
Porém, foi na saída de Graham para o Chelsea que o treinador seguinte deu o próximo passo, junto à análise de mercado dos ingleses. A chegada de Roberto De Zerbi, com seu estilo de jogo agressivo e de posse de bola, somada à ida para outros mercados, como o asiático, e à intensificação do trabalho na América do Sul, levou o clube ao sexto lugar e à sua primeira competição europeia.
De Zerbi saiu do Brighton e foi para o Olympique de Marseille, mas deixou o time classificado para a sua primeira Champions League e com mais de € 200 milhões em vendas de atletas. Só Moisés Caicedo, volante equatoriano, foi vendido ao Chelsea por € 133 milhões.
Além dos resultados recentes, as semelhanças com o Fortaleza estão na evolução do time com um bom mercado de
prospecção de talentos
scouting
, no crescimento em vendas, que permitiu reinvestimentos, e em um treinador vanguardista. Porém, como vemos no texto, elas acabam aí.
Brighton, apesar de ter tido bons resultados, está no seu terceiro técnico de 2020 para cá. O clube conseguiu superar as adversidades mais pelo departamento de futebol e seus analistas do que pela aposta em um trabalho específico.
Vejo até uma semelhança com o trabalho de Marcelo Paz quando encontrou Vojvoda após a saída de Rogério Ceni. Mas não posso desconsiderar as contratações de Chamusca e Enderson Moreira anteriores à do argentino. Por isso, acredito que são formas de crescimento diferentes.
E chegando ao final dos exemplos, o que posso demonstrar é que, apesar das diferenças e semelhanças com alguns clubes crescendo no cenário europeus, a situação do Fortaleza é única. Talvez pudéssemos aproximar a comparação à Atalanta, mas ainda há contextos que não podem ser ignorados e que fazem diferença na análise comparativa dos trabalhos. Vale destacar que nem a gestão Marcelo Paz e nem a passagem de Vojvoda terminaram, podendo chegar a um patamar ainda não imaginado, cabendo em outras análises comparativas.
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