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Jenni Hermoso e a dor de ter o dia mais feliz de sua vida arruinado por um assédio
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Jornalista e colunista de futebol feminino do Esportes do O POVO. Graduada em Jornalismo no Centro Universitário Sete de Setembro (Uni7). Já passou por assessorias de imprensa e foi repórter colaborativa da plataforma de notícias VAVEL Brasil

Iara Costa esportes

Jenni Hermoso e a dor de ter o dia mais feliz de sua vida arruinado por um assédio

Ex-presidente da Federação Espanhola foi condenado a pagar R$ 65 mil após arruinar um dos dias mais importantes da carreira de Jenni Hermoso com um beijo não consentido
Atacante espanhola Jenni Hermoso presta depoimento em Tribunal de Madri sobre beijo de dirigente na final da Copa do Mundo feminina (Foto: Pierre-Philippe MARCOU / AFP)
Foto: Pierre-Philippe MARCOU / AFP Atacante espanhola Jenni Hermoso presta depoimento em Tribunal de Madri sobre beijo de dirigente na final da Copa do Mundo feminina

Existe um mantra que me norteia na vida, no futebol e no jornalismo esportivo: "Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes", letra de música do rapper brasileiro Emicida. Apesar de saber que ser uma mulher de origem simples e cor de pele parda me define sobre quem eu sou e a comunicadora que eu me torno dia após dia, eu nunca quis que apenas isso ou meus valores e crenças me definisse de forma a me limitar. Eu sempre quis ser bem mais do que eu sou e do que minhas feridas me fizeram ser.

Mas eu ainda sou tudo isso, ainda tenho de viver com o peso de tudo isso nessa cruel sociedade. Eu ainda sou uma mulher e, como uma mulher, eu ainda tenho obstáculos a mais que um homem nesse meio. Repito isso — que já foi tão repetido desse espaço — não à toa. As palavras de Jenni Hermoso, que durante o julgamento de Luis Rubiales (ex-presidente da Federação Espanhola de Futebol que a beijou sem consentimento na comemoração da conquista da Copa do Mundo) acentuou que o assédio sofrido manchou "um dos dias mais felizes" da vida dela, me tocou porque eu já vivi quase o mesmo. Tudo isso por não ser um homem.

Era uma quinta-feira histórica na Arena Castelão. Não somente porque o Fortaleza bateria o grandíssimo Boca Juniors por 4 a 2 em um jogo épico de Lucero e Pikachu, mas porque, no âmbito pessoal, eu cobriria o jogo de uma grande equipe por quem eu tenho muita estima. Quem me conhece no meu mais íntimo sabe que eu adoro futebol sul-americano, por consequência argentino, e sou louca pelo Riquelme. Fiz de tudo para fazer uma das melhores coberturas da minha vida só para estar ali pertinho de um time que por anos só acompanhei pela TV — e falo da equipe, não dos jogadores do Xeneize. Mas, infelizmente, havia um homem no meu caminho para estragar tudo.

Logo depois de cobrir a chegada do Leão com uma bela festa da torcida, eu fui "imprensada" por um homem dentro do elevador que me levaria de volta à tribuna e questionada se eu gostava de homem ou não. O filho dele o impediu de fazer ou falar algo pior, mas eu só me dei conta do quanto aquilo arruinou o que era para ser um grande sonho realizado quando senti uma vontade absurda de chorar pouco antes do jogo. Toda aquela empolgação havia sido tirada de mim por um homem que decidiu invadir o meu espaço e até hoje eu vivo com essa mancha.

Eu ainda tenho muita felicidade por ter vivido pessoalmente o jogo mais épico — em minha opinião — da história do futebol cearense. Eu lembro de todos os sonhos que quis realizar quando vou ao Castelão por uma partida de Libertadores ou Sul-Americana. Mas eu evito muito pensar nesse jogo em específico, nunca sequer havia falado disso publicamente, porque dói como imagino doer na Jenni Hermoso. É uma mancha que, como dizem os argentinos, não se apaga nunca mais. Vai sempre estar ali, me impedindo de só sorrir ao lembrar do que deveria ser um dia feliz.

Para o Rubiales valeu meros R$ 65 mil. Para o homem que me assediou, nada, já que eu tive vergonha de denunciar — logo eu, tão empoderada — e só comecei a falar com qualquer pessoa sobre isso, além das amigas Fernanda e Milena que me ampararam naquele momento, muitos dias depois.

Para mim e para Jenni Hermoso, valeu o amargo em um dia que era para ser apenas de felicidade.  

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