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Polly era uma boa companheira
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É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.

Polly era uma boa companheira

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Para mim, a definição de luto é confusa. Não é apenas um sentimento, mas também não é um estado. Estar enlutada envolve várias sensações díspares - que, quando misturadas ou intercaladas, formam um bolo de instabilidade emocional inflando no peito. Polly foi a fiel companheira da minha família ao longo dos últimos dezesseis anos. Um tempo repleto de latidos desesperados ao avistar os gatos e de lambeijos ao ganhar um sachê. Quando ela nos deixou, há duas semanas, eu senti um tipo específico de sensação: a tristeza da saudade.

"Ah, mas você pode comprar outro bicho, não precisa passar o dia todo com essa cara amuada", eu ouvi. É, meus amigos, algumas pessoas vieram ao mundo somente com os propósitos de pensar sandices e falar asneiras. Eu queria revidar, gritar uns gritos, dar uns tapas, xingar até a terceira geração. Porém, estava aborrecida demais para perder minha voz com quem não vale o esforço. Há pessoas que não merecem nem a minha raiva.

Preciso sentir a tristeza pela partida. Negar o luto é uma decisão estúpida. Ele até pode ser adiado, mas é impossível negligenciar eternamente. E tenho o direito de ficar desolada por quanto tempo for necessário - e sem receber julgamentos. Pois um cachorro não é um relógio que trocamos na loja por marcar a hora errada. Um cachorro é um ser pleno de emoções que escolhe a quem vai destinar cumplicidade e amor. No caso da Polly, a devoção estava completamente e absolutamente depositada na Nana, minha irmã.

A caminho da clínica veterinária - logo depois de mais um episódio de convulsão - Polly estava acomodada no colo da Lene. Mas, quando a cachorra não escutava a voz da Nana perto o suficiente, entrava em desespero. Era uma criança buscando o conforto da mãe. "Calma, filha, vai ficar tudo bem", a Nana tentava acalmar e dirigir ao mesmo tempo.

Cachorro é presença física permanente. E, quando eles vão embora, a sensação de vazio é inevitável. Imagina a cena: você chega estressada do trabalho e ele está ali esperando a ração, reivindicando uma brincadeira ou apenas passeando de um lado para o outro. Não importa se o dia foi ótimo ou péssimo. Bichos preenchem o ambiente com alegria genuína. É por isso que a despedida se torna tão sofrida. Não vamos mais escutar os latidos agitados nas tardes de domingo, não haverá ninguém correndo em disparada pela casa.

No meu quintal estão enterrados diferentes bichos: Branquinho, o coelho; Thor, o poodle dos vizinhos; Mi, o gato que criamos nos anos 1990. E, agora, foi a vez da Polly. Na ausência de um serviço especializado para cremação, o meu irmão caçula precisou pegar a pá e cavar um buraco. É uma situação horrível. Eu tenho aptidão e interesse por muitos empregos, mas jamais, nunca mesmo, aceitaria ocupar o posto dos coveiros.

Não gostava tanto assim da cachorra quando ela chegou, admito. Implicava chamando de ratinha de laboratório - o bullying óbvio para uma pinscher do menor tamanho possível. Mas não há armadura obtusa que possa resistir à profundidade de um legítimo amor animal. No fim da vida, aquela criatura estabanada e barulhenta tinha mais importância para mim do que muitas pessoas que estão por aí. Pois na pata esquerda da Polly havia mais bondade do que no coração de certos seres humanos que eu conheço.

 

Foto do Isabel Costa

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