Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO
Abri o guarda-roupas e joguei tudo sobre a cama. Duas pilhas de calças, meias, camisetas... Pra que tanto pano, afinal? Sentido não faz. Tenho apenas um corpo. Roupa é isso: um pedaço de tecido costurado com afeto, emaranhado com botões e linha. Separei as valiosas: o short bom de treinar; a camisa feita por mamãe há dez anos e que uso toda semana; o macacão xadrez comprado em Belo Horizonte; o top rosa que o Arthur elogiou; o vestido da Feitiço com incríveis 20 anos de intenso uso; e outras peças que percorrem a minha história.
Amo roupas. Vocês já sabem. Elas revelam partes bonitas da existência e traçam um processo de comunicação extremamente valioso. Mas - pensando na minha rotina e na conjuntura global - não preciso ter tantas peças. Também não quero todos os livros, o amontoado de perfumes e de cremes (alguns, inclusive, prestes a passar do prazo de validade), a coleção de vestuários de cama (cafonas, cheios de flor), o montão de chaveiros. A reação é imediata ao olhar os objetos: espirros.
A responsabilidade pelos bens materiais suga uma energia que não disponho. É preciso ter local para guardar, ser responsável pela limpeza periódica e ainda realizar o descarte adequado. Muita burocracia e muito tempo. E estou cansada.
Aos poucos e refletindo sobre o destino de cada coisa - dispensei utensílios que traziam lembranças ruins, presentes de pessoas desacreditadas, obras que não voltaria a ler e elementos duplicados. Não preciso de dois relógios de pulso, de dezoito blusas brancas (sim, dezoito!), da edição completa de contos de fada, de CDs que não tenho onde tocar, de três biquínis (eu tenho medo de ir à praia!).
Os objetos importantes estão protegidos em porta-joias. Há lembranças que precisam ficar por aqui como faróis improváveis para não me deixar esquecer quem sou. Outras coisas, entretanto, são completamente supérfluas e o máximo de contribuição que oferecem para o cotidiano é acumular poeira. Em parceria, o ácaro e o mofo vão crescendo sobre as prateleiras, sobre a televisão, sobre a luminária. Eu também sinto estar coberta de poeira como um aparelho obsoleto.
Não quero ser um exemplar de Marie Kondo - a guru da arrumação que promete milagres a partir da organização do ambiente. Longe disso. É muito fácil cair nesse papinho. Entretanto, a verdadeira mudança de vida requer muito mais mobilização do que uma simples faxina. Eu só queria reduzir as crises de rinite.
Apesar do empenho para eliminar entulho, quando olhei ao redor, o ambiente continuava cheio de uma maneira sufocante, quase claustrofóbica. Como é possível? Foram embora quatro sacos de boas doações e dois sacos de puro lixo - resultado de um fim de semana de dedicação. Porém, os cabides ainda parecem abarrotados e as estantes estão cheias de papel. Suspiro ao perceber que os objetos querem me engolir. Fecho os olhos. O quarto vai desabar sobre a minha cabeça a qualquer momento. Tudo bem. Talvez o problema não seja o entulho externo. É dentro do meu peito que precisa acontecer a verdadeira limpeza.
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