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No tempo do batom marrom...
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É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.

No tempo do batom marrom...

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Um marco na vida da adolescente criada no interior é ir sozinha para uma festa. Isso aconteceu comigo lá pelos 14 anos, mais ou menos. Sai com cabelo em rabo de cavalo, batom marrom e roupa nova. O destino? Clube Recreativo Cascavelense, o CRC. Eu não estava tão sozinha. Apenas desacompanhada do papai e da mamãe. Tios, tias, irmãos, primos e primas não perderiam o evento anunciado por locutores (entusiasmados) em carros de som (barulhentos).

Foi nessa época que comecei a usar maquiagem - incentivada pelas amigas e pela revendedora da Avon. As escolhas, hoje questionáveis, eram sucesso: blush mais forte que chinelada e rímel com glitter. Os marcos do desenvolvimento eram amparados pela família. Lia presenteou com um pó compacto, mamãe pagou para que eu fizesse as unhas no salão de beleza pela primeira vez e tio Clínio colocou uma latinha de cerveja na minha frente.

O CRC era a sensação. O tom da festa era dado pelos saltos altos e pelos cabelos escovados. Eu era o melhor tipo de adolescente - comportada, obediente, boas notas. Mas estar no CRC agitava um espírito zombeteiro. Meus irmãos e eu fazíamos de tudo para enlouquecer os organizadores das festas e os membros da diretoria do clube - desde entrar com garrafas de bebida escondidas até vender ingressos clandestinos. As almas juvenis precisavam de desafio. Descobrimos um muro baixo, escondido e sem seguranças no encalço. Por lá voavam garrafas de uísque barato que não, não mesmo, não seriam bebidas por nós - mas pelos amigos. A adrenalina da contravenção era o melhor combustível de todos.

No intervalo entre as bandas, corria para o banheiro na esperança de aproveitar o ar-condicionado. Observava as mulheres chorando pelo amante que apareceu com a esposa (meio óbvio, né?); pelo namoradinho que estava beijando outra no salão; pelo paquera que deu um bolo (não usávamos a palavra crush). A minha cabeça adolescente não conseguia acompanhar os dramas promovidos pela mistura insalubre entre chifre e cachaça.

Também foi no CRC que, pela primeira vez, fiquei emocionada ao escutar uma canção do Fausto Nilo. Nos bailes de Carnaval, caia no pranto quando Zanzibar ecoava. Não, não era o álcool. Com medo de levar carão da mamãe, pouco ou nada bebia. Era um estranho e maravilhoso sentimento de pertencimento - tanto que, até hoje, minha identificação no Instagram é @noazuldezanzibar. No fim das festas, inebriada pelo repertório e pelas narrativas, saía para comer um sanduíche de frango e queijo. Depois, descobri que o estabelecimento favorito fora fechado pela vigilância sanitária por mais de dez vezes, mas essa é outra história.

Mês passado, voltei ao CRC com relutância e abuso. O "arraiá da firma" foi marcado lá e não haveria chance de fugir. Fiz questão de colocar minha melhor maquiagem - dessa vez sem batom marrom e sem blush marcado! O olhar juvenil projetava um ambiente enorme. O palco era gigante e as cabines do banheiro, inúmeras. Observando como adulta, o CRC é uma coberta para proteger da água que sempre cai, um bar miúdo e um piso de cimento.

A resistência ao ambiente foi dissolvida quando o primeiro acorde de Vida Vazia, clássico de Desejo de Menina, embalou o salão entupido. Forró no interior é bom demais e com uma turma animada fica melhor ainda. Minha amiga - vou preservar o nome - usurpou o posto da cantora e emendou o repertório de clássicos. Nesse ponto, sendo adulta e sem receio da mamãe brigar, eu já havia ingerido álcool suficiente para dançar descalça na chuva e declarar amor para quem estava passando. Para preservar a compostura dessa coluna, vou poupar vocês, queridos leitores, dos relatos sobre os acontecimentos finais da festa.

Foto do Isabel Costa

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