
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Vamos começar com uma história:
Existiu um curumim chamado Quiri. Isso faz muito, muito tempo - mais precisamente quando o colonizador não havia chegado para dizimar as matas e adoecer as gentes. Quiri era curioso, gentil e, sobretudo, valente. Morava em uma linda região - onde havia um monte alto e um rio caudaloso. Certa manhã, foi acordado pelo pai e pelo irmão - pois havia uma missão para o pequeno: trazer alimentos.
Acontece que o povo de Quiri retirava da natureza apenas o necessário. Os bichos e as plantas não deveriam sofrer para usufruto - mas, sim, somente se necessário para a sobrevivência. O curumim ficou empolgado, pois iria entrar na mata na companhia do irmão mais velho e, enfim, aprender a manusear o arco, a flexa e a lança.
Partiram - mata adentro - para a primeira caçada de Quiri. Cruzaram as águas até o ponto mais extremo. Nessa altura, estavam ofegantes. Ao chegar no monte, começaram a subir. A caminhada valeu o esforço, pois o curumim apanhou um peba (tipo de tatu) e um jacu (ave saborosa). Ele manuseava os instrumentos de caça com maestria. Vendo o resultado, Quiri ficou contente - pois sabia que o alimento serviria para as famílias. Mas, ao buscar a aprovação do irmão, encontrou lágrimas. O curumim ficou confuso. Até vislumbrar por cima do ombro e entender o pânico. Havia uma onça espreitando - com face sorrateira e emaranhada nos arbustos. O mais velho percebeu que o pequeno tinha o arco nas mãos, e gritou: - Mata, Quiri! Mata, Quiri!
O instinto de Quiri era afável. Imediatamente, lembrou dos ensinamentos da avó. Ele disparou uma flecha certeira na árvore mais próxima. Com o estardalhaço, a onça fugiu em disparada - deixando os meninos sozinhos. À noite, ao redor da fogueira, o pai explicou que onças atacam quando estão ameaçadas e falou sobre a preservação.
Porque estou contando essa historinha? Bom, moro em Cascavel, distante 60 quilômetros de Fortaleza - vocês já sabem. A cidade é famosa pela lenda de uma cobra gigante que, dizem, está enterrada sob a estátua de uma santa. Quando destruírem a imagem, a cobra sobe e devora tudo. Todo mundo sabe e repete entre risadas. Mas poucos conhecem a história do Quiri. Ironicamente, o monte continua lá, firme, de pé, e é chamado pelos cascavelenses de Serra da Mataquiri.
Mataquiri também é o nome do bairro que abriga o monte - afastado do Centro e flagelado por vulnerabilidades sociais. Semana passada, através de uma crônica, descobri que minha amiga Ayla morou lá, em 2015. Nós não nos conhecíamos nessa época e jamais imaginaria essa passagem em sua vida. Ela é uma das pessoas mais sábias e bonitas que os meus olhos já viram. Fiquei pensando se conheceu a lenda do Quiri. No texto dela, fica claro que não gostou de morar no bairro...
Também não gosto de transitar na Mataquiri. É um território que me causa pensamentos intrusivos. Apesar disso, fiz uma tatuagem para homenagear a coragem do curumim. Ninguém entende a tatoo da mesma forma que ninguém conhece a bravura e a gentileza do Quiri. Esses são as mesmas características que encontro na Ayla - por isso, talvez, a considere uma mulher tão bonita. Ah, também comprei uma casa - garantindo uma dívida de 25 anos - só porque o horizonte da calçada é uma visão da Serra da Mataquiri. Mas essa é outra história...
Felizmente, a lenda do Quiri está disponível em "A Serra da Mataquiri, o Rio Malcozinhado e Outras Histórias", obra dos autores Airton Dias de Sousa, Evânio Reis Bessa e Milson Almeida. O livro é adotado nas escolas da rede pública municipal de Cascavel.
E para quem quiser ler o texto da Ayla: l1nq.com/Me3es
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