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Exaustão coletiva
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É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.

Exaustão coletiva

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Na entrevista concedida à TV Cultura, meses antes de morrer vitimada por um câncer, a escritora Clarice Lispector solta um "sei lá, estou meio cansada" na cara do repórter Júlio Lerner. Indagada sobre a motivação, a autora de Água Viva apenas diz "de mim mesma". O corte é famoso. A entrevistada apresenta uma despreocupação misturada com sinceridade. É bonito de ouvir.

Penso que, ultimamente, essa é a minha resposta padrão para tudo. Não quer jantar por quê? Sei lá, estou meio cansada. Não quer viajar por quê? Sei lá, estou meio cansada. Não quer comprar roupa por quê? Sei lá, estou meio cansada.

Diferente da Clarice - que carregava outros tipos de angústias e de anseios - tenho uma canseira que mescla corpo e espírito. A exaustão possui uma linha - mas não sei onde começa ou termina. É um cordão que me sustenta como marionete: lendo um livro, lavando louça, bebendo água, indo treinar.

O sentimento é compartilhado com amigos, colegas de trabalho, alunos. Todo mundo tá cansado. Talvez por já termos passado de agosto - mês dos desgostos, das cobras e dos ventos. Não tem corretivo que resolva. Nos mais diversos ambientes, vejo rostos estafados e olheiras denunciando o sono escasso.

Até a Antônia - etérea, firme e imperturbável - olhou pro lado e declarou: "tô exausta". Quando a pessoa considerada bússola baixa a guarda e mostra vulnerabilidade, dois sentimentos surgem: desespero e acolhimento. Bate o nervosismo pois, se as referências estão cansadas, o que será de nós? Mas também há conforto ao descobrir que somos todos humanos - mesmo os mais sublimes - e todos cansamos, ficamos estressados, choramos.

Detesto sentir cansaço em demasia, pois ele é facilmente confundido com tristeza. E, sei lá, não estou tão triste, estou apenas cansada. O sofá abraça a dor das pernas e os sucessivos bocejos. Fico lá por vinte, trinta, quarenta minutos… As horas vão passando, mas a exaustão permanece.

Sou uma vítima da escala 6x1. Querem um conselho? Se alguém aparecer com a proposta de trabalhar seis dias seguidos e folgar no sétimo, por gentileza, recusem. O sábado vira uma mancha agoniada de expediente, tentativa de ir à academia e nenhuma disposição para sair de casa quando a noite chega. O domingo é um sopro: joga roupa na máquina, pede comida, assiste uma série, cochila na rede e, ao piscar, o dia acabou e o Fantástico começou.

O Arthur está tão cansado que poderia fazer figuração para The Walking Dead. Sinto a exaustão emanando das conversas no Whatsapp, nos sorrisos doces que me direciona, nos selinhos furtivos de despedida. Mas ele - e outros amigos - permanece ali. Ouvindo o meu lamento sobre estar abatida demais para fazer qualquer coisa além de "banho e cama". Também é o Arthur quem indica filmes para desanuviar minha cabeça, compartilha as coisas boas que acontecem no trabalho e faz favores secretos que eu não confiaria a mais ninguém.

E é isso que me sustenta: amigos. Somente assim vou conseguir transpor a exaustão dos próximos meses - contando com o apoio e a alegria deles. Pois é delicioso ser amada. É delicioso saber que alguém vai convencer você a virar a noite em uma festa (mesmo que na semana todo mundo tenha ido dormir antes das 21 horas, pois o cansaço era demais); saber que vão aparecer na porta com um "se arruma, o bar chama"; saber que vão chegar notificações com ilustrações perfeitas, vídeos engraçados, pedidos de desculpa, músicas. A resposta ao cansaço e para tantas outras questões é a mesma: amigos, amigos, amigos.

 

Foto do Isabel Costa

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