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Acabou a zoada
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É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.

Acabou a zoada

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Se fosse dona de aparelho para medir pressão sonora - o decibelímetro - certamente o instrumento já teria explodido. Desde o início da campanha municipal, foi tanto barulho gerado por carreatas, motociatas, caminhadas e até cavalgadas que a minha cabeça não lembra como é o silêncio de uma cidade de interior. A narrativa se repete a cada dois anos com duas verdades: a zoada é grande e os vencedores são eleitos.

Hoje, 6 de outubro, com o fechamento do primeiro turno, finda o barulho no Cascavel e nas outras cidades que possuem quantitativo inferior a 200 mil eleitores. Acaba o milho. Acaba a pipoca. Já escutei comentários desolados e invejosos. "Minha filha, bom mesmo é na Caucaia com segundo turno e semana pra frente de alegria", disse um homem depois de receber o santinho de um pretenso vereador, amassar e arremessar na lata do lixo. Pelo menos não jogou o papel no chão...

A população sentirá falta da movimentação e do deboche. E dos vales de combustível, claro. Cem reais para abastecer o carro ou cinquenta reais para a moto. Há quem frequente a carreata do primeiro candidato, depois siga para a reunião do segundo e, mesmo assim, não saiba em quem vai votar. O importante é garantir o tanque cheio.

Nossas cidades são carentes de entretenimento. Temos poucas salas de cinema, nenhuma livraria e duas festas no ano. Qualquer chance de socializar é ouro. Veja: a questão não é falta de artistas ou de produtores de cultura. Nosso país é repleto de talentos e de criatividade. Mas a liga entre o público e as atividades artísticas e esportivas está longe de acontecer do modo apropriado. O longo debate - repleto de camadas - claramente não acaba no pleito de 2024 e muito menos nessa crônica. Envolve conchaves, interesses, paixões, brigas de família e, sobretudo, dinheiro.

Quando bate a primeira lata da campanha, durante a convenção partidária, o povo invade as ruas com um arrebatamento apenas superado pelas torcidas de futebol. Acredito em toda história que contarem sobre uma eleição do interior. É tanto absurdo que não tenho coragem de narrar tudo que vi. Ao longo das últimas semanas, uma caixa d'água novinha foi transformada em panela de pressão, uma candidata prometeu "colocar remédio na merenda escolar" e um cidadão apostou dez mil reais na vitória de tal partido. O rapaz puxou o bolo de notas, casou a disputa e as urnas que apontem o resultado. Mais do que a consequência social, o povo quer a conversinha cochichada. Outro sintoma da crônica ausência de letramento e de lazer?

Da minha janela, observei o alvoroço de todas as coligações. Certo candidato inventou de fazer uma micareta. Ou, como ficou conhecida na cidade, a cascareta. Paredão de som, eleitores correndo e danças coreografadas. Muitos carregavam caixas e bolsas térmicas. Vi as pessoas tão felizes, tão risonhas, que de fato parecia um Carnaval. "Mulher, paquerei tanto", disse a mocinha trajando um arco de corações na cabeça, uma blusa customizada com o número do partido e com a bandeira em punho.

Além do combo de poluições - atmosférica, visual, sonora - a aglomeração desordenada de pessoas e de veículos fere a legislação de trânsito de modos surreais. É adesivo cobrindo placa, gente enganchada nas portas dos carros, falta de capacete… Precisa de muita paciência para sair de casa por vontade própria para ficar em um engarrafamento. Mas pior ainda sou eu, que deixo minhas aulas e meus afazeres para ficar na calçada assistindo ao congestionamento passar - e achando divertido.

 

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