É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Endosso a canção do Criolo: ainda há tempo. Até o ano findar - contabilizando a partir de hoje, 3 de novembro - temos 58 dias inteiros. É um intervalo razoável para desenvolver um hobby, faxinar o guarda-roupas, terminar o namoro, mudar de emprego, conceber uma criança, arrancar um dente, fazer uma tatuagem ou colocar um piercing na língua.
Quando o Dia de Finados passa, o comércio ganha carta branca para depositar guirlandas pelas ruas e avenidas. Nessa altura do mês, não é mais deselegante pendurar um Papai Noel gigantesco na entrada da loja - convidando ao consumo exacerbado fantasiado de espírito natalino. A multiplicação da decoração vermelha e verde, entretanto, carrega um enfadonho sentimento de "acabou, boa sorte". Mas quanta existência cabe enquanto 2025 não chega?
É justamente agora que recolhemos as listas com as metas traçadas lá em janeiro. E somos confrontados com a ausência de atividade física (quem prometeu ser vigilante na academia?); com a conta bancária zerada (quem iria obedecer ao guru da internet e fazer uma reserva de emergência?); com a saúde precarizada (quem queria comer mais frutas?).
Respondendo minhas perguntas: outras pessoas traçaram as metas. Outras versões de nós - talvez mais tranquilas, talvez mais ansiosas, talvez mais cansadas, talvez mais disponíveis. Mas nós - pessoas do presente - fizemos o viável considerando os recursos disponíveis. A vida real, cheia de problemas e de prazeres, não oferece condição para todo mundo passar horas na academia, guardar dinheiro ou fatiar uma pitaya e um kiwi na hora do lanche.
Essa crônica é um convite a escuta da nossa versão atual. Quais metas são importantes, impactantes e realizáveis até os fogos de artifício, em 31 de dezembro, inundarem a orla de Fortaleza? Quais são os nossos desejos de agora? A virada de ano é apenas uma simbologia criada em território europeu por convenção e dominação, preciosismo do calendário gregoriano. Na prática, no dia 1º de janeiro, a Terra vai girar em torno de si mesma e em torno do Sol, os boletos ainda vão chegar. Mas sigo defendendo que os ritos são bons para a existência. Será bom encerrar 2024 com uma habilidade aprendida ou sonho elucidado.
Eu, por exemplo, sempre quis inserir o uso de maquiagem no cotidiano. Pois gosto, reforça positivamente minha autoimagem, estimula a criatividade. Entretanto, por displicência e falta de coordenação motora fina, acabo geralmente com corretivo, rímel e protetor solar. Básica. Nesses dias, estou em busca de um curso de automaquiagem - inclusive, aceito sugestões. Já pensou que bonito será começar 2025 com um novo e prazeroso hábito?
Nos últimos meses, vi pessoas sendo enterradas em uma velocidade descomunal. Quanto mais a morte me ronda, mais tenho vontade de viver nos detalhes, no miudinho, no dia a dia. A Elizabeth estava vestindo a blusa para ir bater o ponto - nossa, ela reclamava muito daquele emprego -, quando caiu no chão em um ataque cardíaco fulminante. O Josué descobriu um câncer em maio e já não está mais entre nós. Tudo é rápido e silencioso. Quando a "indesejada das gentes" chegar, como canta o escritor Manuel Bandeira no livro Libertinagem, não quero estar estressada, carrancuda ou carregando uma lista de pequenos sonhos por realizar. Se em 58 dias dá tempo morrer, então, vai dar tempo viver também.
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