É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Sábado, 6h33min, enquanto meus passos se tornavam cada vez mais largos, um pensamento martelava feito bigorna: esqueci a touca de cetim. Tento me perdoar pelo deslize - "a semana foi puxada", "lembrei do material dos alunos, do apagador", "dormi mal", "são muitas aulas". Não havia tempo para retornar caminhando, tirar as chaves da bolsa, abrir o portão e a porta, entrar devagarinho para não acordar mamãe... A coleção de justificativas não poderia me proteger da possibilidade mais atormentadora para o jovem brasileiro: sem a defesa da touca, eu poderia pegar piolho ou frieira no capacete.
Dois medos percorrem a minha espinha quando preciso desbravar a cidade na garupa de um mototáxi: posso me machucar em um acidente ou pegar uma impinge no couro cabeludo. Naquele dia, quando desci da moto e paguei os R$ 6 da corrida no pix, a cabeça já coçava e os pensamentos críticos continuavam martelando: "preciso de pente fino, preciso de escabin". Claro que eu não peguei piolho. Deus protege as professoras.
Não sei quando os amigos de Fortaleza começaram a usar motos nos serviços de transporte por aplicativo. "Bora de motinha" virou lei. Os queridos são audaciosos - andam por ruas abarrotadas, serpenteiam no trânsito caótico. Eu (ainda) não tenho tanta coragem.
No interior, todo mundo faz isso desde sempre. Mas, ao invés de preço calculado por distância e tempo, pagamos um valor fixo há anos. A crise econômica não atingiu o mercado local de "transporte alternativo público individual". Cruzo a cidade sobre duas rodas mais do que gostaria de admitir. Haja seis reais na carteira. Mamãe dorme sonos tranquilos enquanto atravesso avenidas mal sinalizadas, vejo todo tipo de infração de trânsito ou percorro longos trechos da estrada que dá acesso às cidades vizinhas.
Detesto admitir que - apesar dos receios - amo a sensação de liberdade proporcionada pelo vento no rosto. O Arthur falou algumas vezes sobre o desejo de ter uma moto. Meu coração dá um pulo quando ele toca no assunto. Fico dividida. De um lado, o temor absurdo dele acabar machucado em um abalroamento. De outro, uma vontade corrosiva de colocar um capacete rosa para subir na garupa com ele, desbravando o mundo. Moto é isso: uma disputa entre coragens e medos.
O jogo de sentimentos favorece o processo de escrita, inclusive. Minhas melhores ideias de crônicas surgiram enquanto eu estava na garupa de um mototáxi aleatório. O amigo e poeta Talles Azigon escreveu o meu poema favorito, Fortaleza is burning, enquanto trafegava entre Curió e Meireles. Quando leio "o sol imprime a pele da cidade, uma melodia sai dos pneus dos ônibus, rasgando o asfalto, escorrendo entre passageiros, de mototaxi, ciclistas e pedestres", sinto que os R$ 15 pagos por ele naquela corrida foram bem investidos.
Não sei pilotar e não tenho a pretensão de aprender. Fujo, assim, de uma regra básica das professoras cascavelenses: ser proprietária de uma Honda Biz 125. O item é composição obrigatória no kit docente - formado também por um ponto de luz da Rommanel, um notebook da Positivo e o aparelho ortodôntico autoligado. Falhei na missão de ser professorinha quando me recusei a adquirir os quatro objetos? É esse tipo de pensamento desconexo que me ilumina enquanto seguro firme nas alças de apoio, evitando que meu corpo tenso se desloque para frente nas manobras mais bruscas.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.