É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Duas fornadas de biscoito, dois bolos de banana, um litro de iogurte, uma garrafa de café, duas tapiocas com queijo e dois litros de chá mate com limão. É o espólio das últimas três horas - passadas na cozinha entre copos e panelas. Enquanto escrevo, o aroma dos biscoitos, ainda assando, invade a casa - mistura de chocolate com canela.
Nunca fui boa cozinheira. Aprendi a fazer pratos simples na base da peleja. Mas amo cozinhar. E morar sozinha foi um aprendizado - pois, no mundo real, ninguém vive eternamente de delivery e de pipoca. Enquanto aguardo a massa ficar homogênea, limpo a cabeça. Meus sentidos ficam despertos. Jamais pensei que o medo de cortar um dedo fosse capaz de criar conexões tão poderosas na mente.
É bom fazer algo com as mãos que não seja escrever no computador e mexer no celular. Passo o dia inteiro digitando. Às vezes, sinto que os teclados são extensões do corpo. Será que o 'asdf' é viciado em mim e sou uma vítima? Já me peguei até movendo os dedos nas posições das teclas ao ouvir uma frase - como se tocasse uma guitarra imaginária.
Bater um bolo é um desafio. Não sei quando parar o liquidificador, não sei o quanto hidratar a massa. E se for tarde? E se for cedo? E se ficar cru? Quando o ovo está cozido? A tentativa e o erro fazem parte do encadeamento de etapas. E foi somente com novas investidas que cheguei a resultados satisfatórios - apesar dos pratos, admito sem desonra, não mostrarem uma apresentação agradável.
A consequência é óbvia: ninguém quer provar - pois comer é um processo que envolve muitos sentidos para além do paladar. Cozinha é cheiro, toque, imagem, textura. Minhas sobrinhas - de cinco anos e oito anos - olham espantadas e imitam a expressão da Nojinho, personagem de Divertidamente. Já não me importo. Fico sozinha com a porção de couve-flor crocante e as crepiocas super recheadas.
Semelhante a Tita - personagem da escritora mexicana Laura Esquivel na obra Como Água Para Chocolate - sigo as receitas de um antigo caderno. Mantido sob sete chaves por mamãe desde os anos 1980, ele tem instruções copiadas à mão e recortes dos rótulos de leite moça. Já arrisquei um bolo de abacaxi com muita lambança e uma forma estragada. Tomei gosto por colecionar receitas próprias no papel, mas faltou paciência para escrever e a caligrafia torta não permitia entender as instruções - "o que tá escrito aqui? Duas colheres de chá? Ou fubá?".
Mais recentemente, uso o Instagram para reunir ideias. Fico rolando receitas no feed - algumas inexequíveis e outras já executadas com louvor. E, tal e qual a ginasta Rebeca Andrade, antes de uma prova importante, fecho a expressão no formato mais austero possível e viajo na maionese pensando nas "receitas que vou fazer quando eu voltar para o Brasil". Bom, essa crônica está deliciosa e escrever sempre abre meu apetite. Infelizmente, preciso encerrar. Pois cozinhar é prazeroso, mas traz como consequência, sempre, uma pia cheia de louças. E, depois de tantas horas cozinhando, a pilha acumulada me aguarda.
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