É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Escrevo esse texto sentada no chão do meu quarto de infância. O notebook está meio apoiado no colo, meio jogado no chão. É a minha nova tradição de dezembro: colocar a coluna vertebral na pior posição possível para tentar elaborar algumas linhas que façam sentido.
Ano passado, precisei usar o piso de taco como estação de trabalho, pois a escrivaninha e a cama estavam completamente tomadas por bagunça - pilhas de roupas e de livros que foram jogadas para o lado até não ser mais possível habitar o ambiente com mínima dignidade.
Agora, o quarto está vazio ao ponto de parecer imenso demais, assustador demais. Não há cama, não há móveis. Sou apenas eu, o notebook, uma rede velha e o guarda-roupas antigo (grande para passar pela porta recém-reformada). Sou a personagem clichê de um filme repetido exaustivas vezes na Sessão Coruja da TV Globo.
Cumprindo outra tradição de dezembro, fiz uma mudança de casa e comecei tudo da estaca zero. Mais uma vez, novamente, de novo. Perdia as contas das ocasiões nas quais montei um lar para chamar de meu em dezembro. Quem já comandou um processo de mudança conhece todas as burocracias envolvidas. Encontrar o lugar e torcer para a imobiliária aceitar você como inquilino, rezar para o valor do aluguel caber no orçamento, solicitar energia elétrica e conexão de internet, saber a rotina do prédio e da vizinhança, embalar um mundo de objetos úteis ou inúteis, comprar móveis e eletrodomésticos...
É tudo bastante prazeroso, mas também é estressante. Transformei os trâmites em alegria na tentativa de sofrer menos. Pouco importa se a conexão de gás não deu certo nas primeiras dez tentativas e eu fiquei uma semana me alimentando de biscoito recheado, banana e delivery. Preciso ter uma coisinha que vivo cobrando dos meus sobrinhos: paciência. Muita serenidade para entender que a vida é uma eterna transformação de ano, de casa, de mês, de perspectivas, de horizontes.
Em todas as outras mudanças - e não foram poucas - eu permaneci com o quarto de infância como farol. Virgínia Woolf estava certa: toda mulher adulta precisa de "um teto todo seu" para escrever, pensar, pintar, criar e estar em paz. Ali era o meu território e usar o verbo no passado está me deixando chorosa. Agora tudo é diferente e até os quadros deixados para trás resolveram cair no chão por eles mesmos.
No WhatsApp, os amigos contam das próprias tradições para o encerramento do ano: comer peixe com banana; pedir salgadinhos na padaria do bairro; visitar a avó; trocar os óculos de grau. Cada pessoa tem as artimanhas que fazem dezembro ter clima de dezembro.
Na mesma medida em que invento tradições, também derrubo costumes incoerentes. Considero uma tolice comprar roupas no fim do ano - quando as lojas estão caras e as araras refletem cafonices sem precedentes. É por isso que estou aqui, sentada no cômodo inabitado, usando o short jeans surrado e uma blusa de treino, com o cabelo preso em coque, o notebook ligado em duas extensões para desafiar a capacidade de segurança da rede elétrica. Vou permanecer no chão frio de taco até surgir uma ideia brilhante para uma nova tradição.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.