É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
É jornalista, professora da rede pública, escritora de cartas e de livros não publicados.
Sabe aquele momento no qual você fala totalmente sem pensar? Sabe aquelas palavras que escorrem pelos lábios absolutamente do nada? Pois é. Estava na repartição com o som dos fones de ouvido no máximo - escutava Mateus Fazeno Rock. Ao fundo, o barulho de uma conversa aleatória sobre medo, encruzilhadas e algo mais indefinido. Bateu um incômodo, tirei os fones brevemente e proferi a seguinte frase: "Exu te ama". Silêncio absoluto.
Aumentei novamente o volume da música e segui no meu serviço. "Exu te ama", para mim, é uma expressão que transborda o artístico. É plural, é amoroso, é pacificador, é revolucionário. Exu é o centro da comunicação, da paciência, da ordem e da energia.
Mas eu não sabia que Exu incomodava tanto. Ou, pelo menos, nunca havia sido confrontada com a ojeriza que parte da população brasileira tem em relação a essa figura - que é espiritual, mitológica, pacificadora e integrante da nossa cultura de maneira indubitável.
Estava em uma sala com professores, pessoas com ensino superior e acesso ao letramento. Mas, como comprovei, educação formal não é sinônimo de respeito. Saí para resolver alguma pendência de trabalho e, na volta, soube que havia sido realizada uma "oração contra a energia de Isabel".
Seis pessoas, de mãos postas na direção do meu birô, rezaram para que Jesus Sacramentado me tirasse dos caminhos ruins, para limpar a "energia diabólica" que havia se instalado no meu coração, para que eu não tocasse mais no nome de Exu ou Iansã dentro da sala, que não postasse músicas no Instagram com a temática de Ogum. O funcionalismo público é um ambiente extremamente tóxico e inóspito. Mas também é risível. "Só pode ser falta do que fazer. Esse povo não tem aula pra planejar?", eu indaguei, à época.
E eu ri. Eu ri muito. Não fosse uma pessoa tão alheia à realidade que me cerca, talvez, tivesse ficado pessoalmente balançada ou ofendida. Mas, ao longo dos últimos anos, fui desenvolvendo um mecanismo apelidado como "despregamento do plano terreno".
E por qual razão estou contando essa história para vocês? Bom, conversando com os meus novos vizinhos, o Paulo e o Dudu, o assunto veio à tona. "Escreva sobre isso", disseram. "Moramos em um país onde uma cantora carioca se acha no direito de remover o nome de Yemanjá de uma música. Você precisa escrever sobre isso". E eles têm absoluta razão.
Falei com outro amigo, o Pedro, profissional da educação profundamente engajado na construção de uma cultura de respeito pelas religiões de matriz africana dentro do ambiente escolar. Minha dúvida era: proferir a fala foi desrespeitoso da minha parte? Ele me tranquilizou e explicou que - mesmo eu sendo católica, frequentadora de mil missas, adepta do terço da misericórdia e devota de Nossa Senhora Aparecida - havia sido uma clara vítima de intolerância religiosa. "Se isso acontece com você, uma mulher padrão, católica e branca, imagina como é para mim e para os meus pares", lamentou.
Coincidentemente, na mesma semana da fatídica oração, ganhei um colar de contas brancas e miudinhas do meu melhor amigo. Quando entregou o presente - de maneira muito natural - mencionou que eu precisava de proteção. E preciso. E ando sempre protegida - espiritualmente e simbolicamente. E o escapulário do Sagrado Coração de Jesus também está aqui. Proteção nunca é demais, afinal. Respeito também não.
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