Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO
Era 2020. Eu agarrei as três sementes de moringa como se a minha vida dependesse delas. Pois, naquele momento, eu precisava me segurar em algo sólido para não esmorecer. Os grãos foram presente de uma amiga que residiu no Cariri e havia retornado cheia de histórias, lendas, manias de bicho e de planta.
Disse na maior empolgação que colocasse as unidades na terra e aguardasse o florescer das árvores. Ficariam bonitas, frondosas e, com as folhas fartas, eu deveria fazer um chá poderosíssimo para mamãe beber todos os dias. Dias antes, ela recebeu o pior diagnóstico de todos: câncer de pele. Eu estava naquele ponto de acreditar em qualquer remédio, qualquer alternativa, qualquer coisa.
Mamãe gostou das sementes na mesma medida que aprecia todas as ervas que são colocadas diante dela. Jogou no canto do muro, dizendo que quem vivesse veria as plantas nascendo. Sem sentimentalismo. Sem adubo. Eu argumentei que moringa era uma espécie rara, forte e, aqueles grãos em especial, haviam sido importados do Cariri - que, no meu entendimento, é um lugar mágico. Além disso, o Google explica que Moringa oleífera cura úlceras e inflamações, tem propriedades antibióticas e ajuda a reduzir o colesterol. Mas a Lene tinha uma preocupação mais prática: marcar a cirurgia com o oncologista.
Todas as vezes que nós saíamos para uma consulta, eu olhava na direção do muro. E essas árvores foram aumentando de força e de tamanho. O verde começava a dar os primeiros passos. Depois, foram despontando folhas e mais folhas. Até que elas tomaram o verdadeiro porte de árvores. Sempre que ficava triste ou desmotivada, bastava voltar o meu olhar e elas estavam lá. Crescendo, ganhando galhos, espalhando sombra. Até que veio o dia da cirurgia e as plantas não paravam de crescer. Começou a ficar assustador. Mamãe dispensou a poda. Acabou ganhando afeição pelas moringas e não queria maltratar.
Mas essa recusa teve um preço. Três anos depois de plantadas, as árvores ficaram tão grandes que começaram a fazer morada na fiação elétrica. Eu fingi que não estava vendo. Direcionava um olhar de soslaio para as moringas sempre que deixava a casa de mamãe. E elas lá, crescendo descontroladamente. Até que a situação ficou insustentável. Meu irmão caçula, passando de carro, alertou para o risco: "vai romper um fio e vocês fazendo nada?".
E, nesse instante, o problema se configurou em realidade. Precisei ligar para a companhia elétrica e passar horas esperando. Vieram uns rapazes educados, contadores de causos sobre os riscos da profissão e muito solícitos sobre o serviço a ser executado. Ajeitaram os fios e acomodaram os galhos das plantas.
No dia seguinte, encontrei alguém para fazer um corte definitivo nas moringas. Mamãe ficou possessa, mas concordou. E cada folha foi retirada, cada galho, cada lembrança de verde. Ficaram apenas uns caules puídos e vazios.
Nunca fizemos o chá. Mas ter aquelas plantas ali era um alento. As moringas funcionavam como um lembrete vívido de que - mesmo diante de todas as angústias, doenças ou preocupações - sempre haverá algo verde para florescer. Intimamente, eu sabia que elas dariam um jeito de renascer.
Semana passada, no Domingo de Ramos, eu voltava do hospital com uma crise alérgica. O peito cheio e a cabeça doendo. Arrisquei olhar para o alto e encontrei as moringas plenas de verde. Engraçado, pois, no dia anterior, os caules pareciam secos. Fiquei com vontade de abraçar aquelas árvores.
Hoje, na celebração da Páscoa, dia de festa para o catolicismo e para o meu coração, eu desejo ser uma moringa para conseguir me replantar, me reerguer e me refazer, sempre.
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