Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO
Nas últimas semanas, tenho recebido cada vez mais amigos para tomar café, papear e pintar Bobbie Goods. Então, a tentativa é que tudo esteja em ordem mínima
Minha casa está impecavelmente limpa e a geladeira está abastecida. Cometi uma loucura da vida adulta: usei amaciante Downy para passar o pano no chão. Está tudo tão cheiroso que - ao abrir a porta da sala - pensei estar entrando em uma propaganda da televisão.
É besteira acreditar que o apartamento é alinhado em todos os dias da semana. Eu canso. Eu canso muito. Não consigo manter a ordem segunda-feira a domingo. Tenho outras coisas de adulta na agenda: trabalhar, preparar aulas, marcar consultas, pagar contas e - pasmem! - ter algum tipo de lazer e manutenção dos meus hobbies.
Nas últimas semanas, tenho recebido cada vez mais amigos para tomar café, papear e pintar Bobbie Goods. Então, a tentativa é que tudo esteja em ordem. Ninguém quer receber as pessoas com a pia cheia de louças e poeira nos móveis.
Mas alguns amigos só acertam de ir à minha casa quando tudo está revirado. Como dizemos em bom cearensês: parece uma coisa. Quando está tudo limpo, eles desmarcam as visitas e têm mil ocupações. Quando os objetos se desorganizam, lá aparecem com uma caixa de pizza na mão e um jogo de tabuleiro na outra. Mas eu amo essa movimentação, não há como negar. Tudo bem se a casa não é perfeita, pois eu também não sou.
A intimidade de me revelar ordinária ocorre apenas para pessoas selecionadas, realmente. A certeza de não ser julgada me faz abstrair das roupas jogadas na área de serviço, do pó acumulado sobre as prateleiras, dos calçados esparramados na entrada. Vivo como consigo viver. Faço aquilo que é possível sem violentar a minha sanidade e, pode apostar, ainda faço é muito. Pouco importa se as toalhas não foram passadas ou se os vidros das janelas não estão impecavelmente lavados.
No momento em que o Paulo entra no apartamento e tira os sapatos, tudo fica bem. O meu coração se enche de paz. Já vou contar as minhas aflições mais profundas e os meus sonhos mais insanos mesmo. O que importa se ele perceber que não varri o chão? O fato dele estar a dois andares de distância deveria fazer nossos encontros mais recorrentes, entretanto, como somos dois trabalhadores ocupados, nos vemos cada vez menos.
O Joel já encontrou a minha casa em todos os estados possíveis: sem móveis, bagunçada, com plantas vivas e mortas, cheia de roupas no varal, faltando lâmpadas no corredor e nos cômodos, com xícaras no lugar de copos. As tantas versões que ele conhece do ambiente condizem com as tantas versões que ele conhece de mim.
Quando ele chega, vou logo avisando: "Não troquei a roupa de cama e na geladeira só tem água com gás". Hoje - como está tudo limpo e tenho até Coca Zero no freezer - Joel não deve aparecer por aqui.
Enrolada nos lençóis, não me importo quando ele está tomando banho e eu esqueci de limpar até fio de cabelo do ralo… "Tem sabonete líquido no armário", aviso. Oferecer a privacidade da imperfeição é um dos presentes mais valiosos que posso dar. Para quem você se revela falho?
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