É editor digital de Política do O POVO e apresentador do programa Jogo Político, interessado no mundo do poder, seus bastidores e reflexos sobre a sociedade. Entende a política como algo que precisa ser incorporado e discutido por todos. Já foi repórter de Política e também editor da rádio O POVO CBN.
Queremos muita ousadia, Manuela Dias. Sem desrespeitar a obra original, abra as veias e mostre a cara desse país diverso, bonito, rico, mas também cheio de mazelas que insistem em solapar o nosso otimismo
Foto: Maurício Fidalgo/Dvulgação/Globo
Os atores Lázaro Ramos e Thaís Araújo, ela a personagem Raquel na novela Vale Tudo
Parte do País aguardou com ansiedade, inclusive eu, a estreia do remake de "Vale Tudo", novela da TV Globo que bateu recordes de audiência entre os anos de 1988 e 1989, no momento em que a sociedade ainda tateava tempos democráticos após um sombrio período de ditadura militar. Na época, eu ainda era criança, então apenas algumas cenas mais marcantes ficaram presentes na memória. Por isso, semanas antes da nova versão ir ao ar, encarei o desafio de assistir a cada capítulo - estou quase terminando - para tentar entender que fenômeno foi esse e, claro, fazer as comparações com essa produção feita quase quatro décadas depois.
Resumidamente, "Vale Tudo" conta a históriade uma jovem ambiciosa que vende a casa da própria mãe em Foz do Iguaçu (Paraná), pega o dinheiro e viaja para o Rio de Janeiro com o objetivo de vencer na vida. Ao modo dela. Conceitos éticos e morais vão para o espaço quando se trata de Maria de Fátima e seu desejo quase doentio de ficar rica. Do outro lado, a super-honesta Raquel Acioli, que se revolta com as loucuras da filha e busca com a força da alma provar que é possível, sim, se dar bem sem passar a perna no outro. Uma dualidade que atravessa toda a trama, com personagens cujas identidades vão transitando entre essas duas visões de mundo opostas.
Mas minha curiosidade, para além das adaptações de falas e mudanças nas interpretações ou enredos, era ver que Brasil a autora Manuela Dias iria retratar em pleno 2025. Apesar de muitos problemas perdurarem do tempo da primeira versão até hoje, não se pode negar que muita coisa está diferente. Ainda temos inflação, por exemplo, mas nada comparável aos índices galopantes do governo Sarney. Em quase todo diálogo tinha alguém reclamando da carestia, da desvalorização da moeda. Conquistamos uma certa estabilidade monetária que permitiu muitos avanços, o que obrigará Manuela a buscar novos motes para críticas. E, obviamente, eles são abundantes.
Ainda somos uma nação extremamente desigual, o preconceito é estrutural, o tráfico de drogas e o crime organizado estão em um outra dimensão, tem uma internet inundada dos mais variados crimes e distorcendo relações sociais, proporcionando novas formas de "vale tudo" com seus OnlyFans e "Tigrinhos". A corrupção é modus operandi de uma classe política inescrupulosa. Há radicalidades ideológicas que colocam em xeque nossa segurança institucional.
Matéria-prima não vai faltar para a autora construir um contexto que dinamize essa que é a grande aposta do ano em termos televisivos. E talvez esteja aí o pulo do gato, a grande oportunidade de trazer notas de singularidade a uma novela que muita gente assiste por saudosismo, mas que também espera novidades. Uma chance de o Brasil se olhar mais uma vez por dentro, e com um diferencial: sem a censura dos fim dos anos 1980 que ainda tolhia a criatividade artística. É isso, queremos muita ousadia, Manuela Dias. Sem desrespeitar a obra original, abra as veias e mostre a cara desse país diverso, bonito, rico, mas também cheio de mazelas que insistem em solapar o nosso otimismo, dia após dia.
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