Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
É de papel o São Francisco do presépio que Cláudio Roberto Rodrigues Teixeira monta em casa a cada ano.
Ao santo de Assis, que tornamos 'do Ceará' com Canindé, é atribuída a tradição cristã de recriar o nascimento do Menino Deus em presépios. Na história franciscana, conta-se da véspera do Natal de 1223, na então pequena Greccio, na Itália. Francisco faz a encenação com a manjedoura, pessoas e outros animais do lugar. Para fazer reluzir a narrativa da Natividade.
Cláudio e Branca moram em Icó, na antiga rua do Meio. Imagino o desenho básico do arraial, primeiras décadas do século 18, como uma espécie de bordado, todo feito a mão: linhas paralelas ao rio, o Salgado.
O chamado núcleo histórico, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1997, tem espacialidade e temporalidade mais amplas e abraça, por exemplo, a Igreja do Monte, dedicada à Nossa Senhora da Conceição.
A rua do Meio guarda a lapinha pública de maior visitação na cidade. Fica na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nos fundos da Igreja Matriz, dedicada à Nossa Senhora da Expectação.
O pai, São José, tem ali uma igreja de construção mais recente, século 20, em posição quase frontal ao teatro da Ribeira dos Icós, no Largo do Théberge. Além do século, guardam entre si uma distância contada por km. Anoto e você imagina a amplitude do espaço, o vazio de cerca de um quilômetro de extensão. Inventando-se o que seria o Ceará do Brasil, então colônia de Portugal.
Pois bem, a dramaturgia do espaço conta com a igreja do Senhor do Bonfim, devoção que fecunda a maior celebração festiva da fé, quando a potência do lugar se materializa no que eu chamo o fogo sagrado da Ribeira dos Icós, a cada primeiro de janeiro, ao final da procissão com a imagem de mais de 300 anos. É a explosão das 'bombas do Santo', a queima dos fogos de artifício ao longo da extensão do Largo. Voltei ano após ano para ver se era verdade o que acontecia, acompanhando o trabalho do mestre fogueteiro Bonfim.
O Santuário do Senhor do Bonfim, na linha do teatro, no lado mais próximo do rio, era a capela de uma casa senhorial, o sobrado que está na esquina do Largo com a antiga rua das Almas, caminho que vai dar no cemitério, ao lado da Igreja do Monte.
Cito, por último, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Anoto: a rua do Meio fica entre a 7 de Setembro e a igreja da irmandade dos pretos. A rua do Meio se inscreveu no desenho da vila como a dos serviçais. No contar (d)a cidade, ali moravam as pessoas escravizadas.
Na rua do Meio, encontrei mestres, artesãos e artífices. Dedé de Ticha, marceneiro, é filho de peixe, Mestre Déo. Ticha, a mãe incorporada ao nome, é filha de José Tavares de Sousa e Teresa Tavares de Sousa, bisavôs de Cláudio (do São Francisco de papel), e dos gêmeos Márcio e Marciano, que fazem a lapinha dos fundos da Matriz, ofício aprendido com o Padrinho Almério (Silva), cujo aprendizado se deu em parte com Dona Berta, cheia de funções na cidade, dentre elas a de parteira e animadora de pastoril.
Na casa de Dedé e Dona Aldenora, a rua do Meio guarda o presépio de Zé Tavares, que encarnava santo, como se diz de fazedor de imagem de santo. A caixa-vitine é do Mestre Déo. Presépio cultivado também pelo filho Zezinho, que esculpia em madeira. Partes do presépio foram para Dona Berta. Icó é assim: renda bordada de jóias da memória.
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