
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Uma latada à beira da estrada. Dona Bia vende água, cocada, milho assado na brasa, milho cozido na panela que tem três perfeitas fileiras de furinhos na tampa. Estamos como o milho no fogo, com bem mais furinhos na cobertura e, quando pedimos água, Dona Bia nos oferece garrafas geladinhas.
Catolé da Pista é o nome do lugar. Entre Aracoiaba e Piquet Carneiro, salvo engano. Há pouco vi uma placa Ibicuan. Ibicuan da estação de trem, Ibicuan riscada pela linha de ferro sertão adentro.
A Rádio Estrada no ar. Volto do encontro que acontece a cada 6 de janeiro no sítio Aroeiras, no distrito de Guassussê, em Orós. Há mais de 20 anos, o poeta Zé Vicente abre uma escuta de experiências de chuva e troca de sementes no dia dos Santos Reis.
Volto com realizadores do encontro de profetas da chuva de Quixadá, Elder Cortez e João Soares. Os dois no banco da frente. Conversamos água. Com os olhos cheios de flamboyants radiantes no meio do caminho, pergunto ao profeta Erasmo Barreira, que vem ao meu lado no banco traseiro, se tem alguém que lê sinais de chuva apreciando flamboyant.
Sombrão. Dias antes, outra estrada, comendo com os olhos cada flamboyant avistado, ouvi de Naiza Bezerra a palavra sombrão. O nome do flamboyant como Naiza ouvia dizer em Umari, a cidade natal. Voltávamos de Juazeiro do Norte, cujo meio-dia quase nos convenceu que os 39 graus em Icó às 17h30min era isso mesmo.
Digo sombrão na conversa água. Como eu, ninguém ali conhecia o apelido tão certeiro quanto os furinhos na tampa da panela da Dona Bia. Cada um repete sombrão a seu modo. João Soares, imagino, diz sombrão no calado.
Desde a saída das Aroeiras, as cocadas da Dona Bia surgem na conversa e dão a medida do caminho a percorrer. Uns 30 quilômetros, até menos, e chegamos nas cocadas.
Encontramos só 39 cocadas. Um compra 20, o outro, 19. E nos olham perguntando se não vamos querer uma. Sob a latada, homens estão ali olhando o tempo.
Dona Bia tange o filho para pegar mais água na casa da família, ali à vista, anuncia o que tem, levanta a tampa da panela, entrega o milho escolhido para cada um de nós, enrola na palha os da brasa, embala as cocadas, mais milho enrolado pra viagem, faz as contas, recebe o pagamento, passa troco, deseja boa viagem e reconhece que se tivesse ido ela mesma buscar as águas seria muito mais rápida. E rápido.
Por zap, seu Erasmo envia depois o nome e o telefone do colega que faz do flamboyant seu observatório, José Erismá lendo a natureza ali, querendo saber se vai ter inverno ou não. No Ceará, inverno é chuva. Saber da água sobre nós, a Terra. Tudo nascido dela, inclusive a nuvem carregando as internet, que não é nuvem coisa nenhuma.
Quando eu passar lá outra vez, escuto melhor Dona Bia, um flamboyant que dá cocada.
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