
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Melhor do que Carnaval é Carnaval com chuva.
Vale, claro, para quem, como eu, gosta das duas coisas.
Escrevo fora de hora e ouvindo trovões.
Chove lá fora e me vem à lembrança um Carnaval que passou, o primeiro trio elétrico da vida passando e parando justo onde estávamos. Salve Salvador. "Chove lá fora..." começou tão santinho, santinho e eu não sabia que era só a largada para o demo solto (e ele é legião). Só eu não sabia.
Não lembro das cordas e dos cordeiros, como se diz dos homens que seguram as cordas, fronteira que separa quem brinca dentro e quem pula fora. Conheci a nomeação 'cordeiros' anos depois e só hoje, trovejando lá fora, percebo que talvez venha da corda o batismo deles e não do bicho associado ao sacrifício e invocado na missa. Aquele que tira o pecado do mundo.
É preciso saber ler os sinais. Estamos pessoas exauridas... As redes que uma querida professora farejou anos atrás como anti-sociais estão cheias de lições extraviadas de interpretação de texto. Diz-se isso nas redes em várias línguas. Com sotaque dos quatro cantos do mundo, que não são aquela encruza benta por tudo de bom que é brincar. O chamado Quatro Cantos de Olinda, os da canção "Me segura que senão eu caio", de Alceu Valença.
Anoto Olinda outra vez e volto ao título do texto, Bonito pra chover, o lindo trio que Leonardo Mota (1891-1947) anotou pra gente de ouvir dizer em suas andanças pelos sertões do mundo.
Bonito pra chover, que o querido professor Gilmar de Carvalho (1949-2021) tornou título e tutano de livro de ensaios sobre a cultura cearense (o sub-título). Publicação da Fundação Demócrito Rocha, 2003. Vou citar Leota. O livro é "No tempo de Lampião", primeira edição no começo da década de 1930. Lampião vivinho da silva.
Cito o Leota: "À noitinha, no pátio da fazenda, um silêncio de angústia imobilizava os sertanejos, de ouvidos atentos a algum trovão longínquo. Há três meses, uma preocupação indisfarçável chumbava os espíritos à expectativa do inverno daquele ano. Seria possível que, mais uma vez, o anjo mau do extermínio adejasse sobre a terra mártir? (...) Pleno março e nenhuma esperança de inverno. Pela madrugada, ao filho varão que saíra ao terreiro, a fim de ver se estava relampeando pro lado do Piauí ou se o céu estava promisso de chuvas, o velho sertanejo pergunta, da rede em que está deitado na sala da frente:
- Manoé, meu filho, está bonito pra chover?".
É domingo de Carnaval. Em Fortaleza, vai ter Rei de Paus na Domingos Olímpio. Cada vez que passa o maracatu do seu Geraldo (Barbosa), fica bonito pra chover. Tem mais maracatu na rua. "Me chama" é o título da canção que me fez ir atrás do trio elétrico. Ainda estamos aqui.
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