
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Maria Lúcia Sampaio Lima faz 100 anos em julho próximo. Vive em Fortaleza, desde o casamento, aos 20 anos.
Bem citada e bem vista: um café, um jantar, e cada detalhe à mesa em casa amiga remete às artes de Dona Lúcia. Corte e costura da toalha, o bordado aplicado, o crochê, a superfície tão argutamente posta quanto uma frase de Clarice para tocar quem a lê. Composição. Texto, textura. Cada nervura feliz de ser o que é.
Visitei Dona Lúcia graças à vizinha dela, Deana Esmeraldo, através de quem conheço a memorabília têxtil de exemplar ideação e feitio. Deana me ouvia falar sobre álbuns de bordados, e outras ditas habilidades manuais, e citou o da vizinha de uma vida toda. Pedi para ir lá um dia. Fomos na mesma tarde.
Os álbuns eram feitos em conclusão de curso. Cada ponto ou uma série deles, cada aplicação, modo de dobrar ou franzir, uso de fita ou conta etc., cada passo registrado nas páginas de papel grosso e firme, intercaladas por finas folhas transparentes, dos chamados álbuns de fotografia.
Ausentes para muita gente e presentes para quem podia ter, e tinha, fotos de si, da família, os álbuns foram comuns como o liquidificador chegaria a ser. Havia pelo menos um na casa. Portátil, fácil de manusear, e até de tamanho e peso que pediam uma mesa, um apoio melhor que o corpo.
Dos mais compactos, o álbum de Dona Lúcia guarda imensidões. Ela aprendeu a fazer renda de bilro na serra de Pacoti, onde nasceu e se criou. Não aprendeu em casa, com a mãe ou uma tia, como conta a maioria das rendeiras. E sim no Patronato São Vicente de Paula, "das freiras", onde estudava. Eram chamadas "as rendeirinhas".
O álbum atesta outra formação, Dona Lúcia já em Fortaleza. Instituição de freiras, perto do São Gerardo, onde morava. Bairro onde se inicia a vizinhança com Deana, então menina a fruir, além da convivência, de vestidos feitos por ela.
Conheço outros álbuns feitos na Fortaleza dos anos de 1950. Do curso de corte, costura, modelagem, um de 1953 tem, como era do feitio, o nome da dona, Teresinha Ipirajá, de quem ensinava (ou seria do método?), Prof. Midonselle A. Máximo, da escola, paraninfos e tais. Cheguei ao álbum tão logo o filho dela, o artista visual Gerson Ipirajá, soube do meu interesse. Conheci através da filha, a estilista Beatriz Castro, o álbum de bordado que Fátima Castro fez aos 15 anos. Bia lembra da mãe situar a escola na Piedade. Teresinha e Fátima atuaram na indústria da moda.
Inscrições no mundo, os três álbuns - e outros que você conhece e pode me fazer chegar até eles - são tão eloquentes quanto o horizonte social de silêncio que se desenhou como "natural destino" para mulheres em um certo modo, erradíssimo, de compor a Terra. São tão bonitos, cada um a seu modo, como Clarice nos ensinou a respeito: "Achar bonito é um modo de entender".
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