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Neudson, livros e a memória criança
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

Neudson, livros e a memória criança

Das coisas bonitas que li em 2025, transcrevo uma fala do professor Neudson Braga, arquiteto e urbanista. Uma fala no contexto do "raro momento em que o arquiteto é projetista e cliente ao mesmo tempo", como escreve Cristiane Alves, ex-aluna e autora de "Neudson Braga e o modernismo arquitetônico em Fortaleza", publicado em 2019.

Ler é escutar. A bem-dizer, escuto Neudson sobre a construção, na Fortaleza de 1970, da casa que desenhou para morar com a família: "Minha casa foi um desafio maior para mim, pois eu queria criar possibilidades de fazer uma construção artesanal com qualidade, valorizando inclusive aquilo que é próprio da obra. Eu procurei usar um material só, uma madeira só, um tijolo só. Os meus mestres levaram as oficinas para a obra. Eles tinham muito orgulho do que estavam fazendo. Aquilo para eles era uma obra-prima! (...) O mestre das pedras recortava cada peça com tanto cuidado, como se fossem esculturas. Era um primor! Todo mundo fazia aquilo como se fosse a primeira vez, com muita paixão e dedicação".

Ele é o autor, dentre tantos outros projetos, do BEC dos Peixinhos, de 1968, inaugurado em 1973. A nomeação diz sobre como incorporamos à nossa experiência de Cidade a sede do banco cuja construção foi um alívio para a calçada. Bem-bom para o vento. A oxigenação de uma esquina da Barão do Rio Branco, no Centro, a nos dar chão e gosto de olhar para o céu, que alguém já disse estar dentre as melhores coisas de Fortaleza. Vontade de beleza.

Crianças de mais de uma geração ensinaram a pais e tias, a quem quer que nos levasse pela mão, a brincar de parar o tempo e fruir da graça de prestar atenção, no caminho, ao caminho. Olhar o chão, mundos, ganhar o mundo. Cada peixe, os peixes, as águas, espelho d'água, o nome tão bonito quanto contínuo o movimento, uma superfície respiradora, feito você e eu. A cidade virava um quintal, parque, rio, lagoa, mar à nossa medida, espelhando nossos olhos argutos e arregalados, nossas bocas abertas e a abundância de céu sobre nossas cabeças.O que o senhor faz, Seu Neudson? Desenho aliviadores, amplifico vazios, dou corda à imaginação, conspiro por espaços lembradores do que somos. Criaturas que sentem muito.

Joia do Ceará, Neudson Braga vai fazer 90 anos dia 5 de junho. Tem um presente público em pauta. Uma instrução de tombamento da casa-sede da Fundação Waldemar Alcântara, em Fortaleza, foi entregue à Secretaria da Cultura do Estado. Você já ouviu Neudson dizer, amparado no humor, que talvez seja 'o arquiteto vivo mais demolido do mundo?'.

Se eu soubesse desenhar, faria um livro como aqueles que Neudson fez para si na infância. E daria, para o menino construtor dos próprios brinquedos, uma amostra portátil do efeito do canteiro de alegriazinhas que ele plantou no lugar mais importante de uma cidade, que é a rua, a calçada, como nos lembra Leminski. Faria o livro com cuidado de primeira vez.

 

Foto do Izabel Gurgel

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