
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.
Alba Alves é a primeira. Começamos pela letra A. E pela primeira hora do dia. Alba pode se referir à primeira luz do dia, a da aurora, da alvorada, como nos lembram os dicionários. A B C, Alba borda no Crato, onde mora entre um jardim e a Chapada do Araripe. A B C, Alba borda e costura. É uma biblioteca portátil de bordado.
Você conhece o acervo de invenções têxteis que reunimos nos termos simplificados de enxoval para bebê, peças para recém-nascido ou, mais simples ainda, camisinha de pagão? É um dos alfabetos bem aplicados por Alba Alves em superfícies para diferentes usos por gente grande.
Naquela escala que é um chamado, convite para prestar atenção, Alba Alves pode bordar, por exemplo, livros em pequenos formatos. Até menores do que caixa de fósforo padrão. Eles nos olham e acendem algo na gente. Ela também borda suportes para levar livros. Dá gosto ir com eles.
Especialista no ponto rococó, como dito no seu Instagram, a bordadeira Iara Reis diz que só existe um ponto de bordado. Os demais dele derivam. É o básico do básico, um movimento-mãe, gerador, o da agulha levando a linha a atravessar a mesma superfície duas vezes, em pontos diferentes, constituindo o que se costuma aprender como primeiro ponto.
As variações a partir do primeiro ponto, mas também a feitura do próprio, cada criatura que borda vai fazer como respira. De modo único, singular, irrepetível. Aprende-se. Tanto a bordar quanto a respirar. Para algumas pessoas, a experiência de bordar se torna vital, além de vitalizadora. Ouvir uma delas é algo que eu desejaria a você.
O que Iara me contou no ateliê que ela mantém em casa, em Fortaleza, ouvi também de outras bordadeiras mestras que adoram o estado de bordar. Escutei também, sem que a isso se referissem, a cada peça bordada que tomei nas mãos para ver melhor. Como a gente quer fazer com um livro, uma fruta, um tecido avistado que cutuca nossa atenção.
Assim como exímias rendeiras, grandes bordadeiras reconhecem cada feito onde nós, por mais prática de prestar atenção que tenhamos, vemos uma floresta quase sem a ver se compararmos com o olhar de um mateiro. No bloco de folhas verdes, uma constelação de plantas com nome e modo de existir próprios. Eloquência que pede o mais bonito silêncio.
Não saí da letra A, mesmo citando Iara (que é das águas). Gente que borda nos amplia. Cada criatura, mundos. Diria da Lúcia Galvão o que a física nos ensina sobre o universo. Contínua expansão. Pede para o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, nosso Mauc, mostrar o céu de Cordisburgo que ela bordou. Que ponto é aquele? A qualquer hora, Lúcia Galvão faz a linha cantar.
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