Jáder Santana é jornalista e mestre em Estudos da Tradução pela Universidade Federal do Ceará
Jáder Santana é jornalista e mestre em Estudos da Tradução pela Universidade Federal do Ceará
Não há mais lugares silenciosos em Fortaleza. E não me refiro aqui ao ruído incessante das grandes cidades, com suas buzinas e motores que há tempos se transformaram em trilha sonora de nossas rotinas, mas aos pequenos universos individuais de barulhos que, ao que parece, cada vez mais extrapolam a esfera da intimidade e invadem os espaços coletivos.
Munidos como estamos, cada um de nós, de aparelhos capazes de reproduzir, em volume mais alto que o suficiente para a fruição particular, uma oferta praticamente infinita de bipes e músicas, de filmes e áudios, de rádios e alarmes, de games e apps, andamos por aí como alto-falantes em potência, esperando a oportunidade (que sempre chega, que jamais se esgota) de afetar o outro com nossa coleção de ruídos.
É cada vez mais difícil encontrar lugares onde haja aquela espécie de respeito ao silêncio que antes existia como elemento compulsório em bibliotecas e templos. Hoje, até bibliotecas e templos têm o peso do seu mutismo rasgado pela urgência estridente de notificações que, de tão frequentes, deixam de notificar. Fico torcendo para que em algum momento transforme-se em moda – como aconteceu com as agora onipresentes garrafas térmicas de água – o uso de fones de ouvido, para que alguma grande marca patrocine alguma super-modelo que se deixe fotografar por aí, pálida e anestesiada dos ruídos do mundo pelo uso de fones Pacco ou Stanley ou Mokha.
Outro dia, uma manhã de sábado, fui a um café que costumava frequentar. O que antes era o som de uma música ambiente, em volume que não atentava contra o taedium vitae tão comum aos que por algum motivo saem de casa cedo nos finais de semana, fora substituído, sabe-lá a razão (uma nova estratégia de marketing, talvez), pela seleção meio personalizada, meio algoritmizada, de hits que não fariam feio na programação de qualquer uma das grandes rádios comerciais de Fortaleza. Àquela hora, eu era o único cliente no local. A música, certamente, não era para mim.
Não é preciso falar das praias, dos parques, das serras. Para onde antes se fugia em busca do alento de configurações que oferecessem alguma oposição à loucura do dia a dia, onde antes se ouvia o som de ondas e ventos e galhos e pássaros e folhas e riachos e passos e peixes, agora há bipes e toques e caixas de som, menores e mais potentes. E há vozes elevadas, quase gritos. Em meio ao pandemônio de ruídos, falar não é mais suficiente: é preciso berrar para ser ouvido.
Saí do café sem meu café, pensando em quais seriam as alternativas, na Fortaleza de 2024, para aqueles que por alguma razão, por necessidade ou opção, gostam de frequentar espaços onde haja pouco barulho e muito silêncio. Há poucos, pouquíssimos lugares assim. O silêncio, como a lentidão e o pensamento, está fora de moda. Ele assusta, incomoda, distrai. O que nos resta, como reação à hegemonia do barulho, é silenciar, resignados, e sair em busca de outro café.
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