
Jáder Santana é jornalista e Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Jáder Santana é jornalista e Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Há alguns dias, puxei da estante, por acaso, o volume "Vida e obras de Alberto Caeiro", reunião dos três livros deste que foi, para mim, o maior dos heterônimos de Fernando Pessoa. Com edição da escritora e pesquisadora portuguesa Teresa Rita Lopes, estão reunidos na publicação, lançada em 2017 pela Global Editora, os poemas de "O guardador de rebanhos", "O pastor amoroso" e "Andaime: Poemas inconjuntos".
Há algo de excêntrico na leitura que se faz de Caeiro quando se vive em uma metrópole. É curioso, pitoresco, que em meio ao ruído incessante da cidade, com seus motores hostis e celulares de infinitas notificações, leia-se uma poesia — há algo mais silencioso que a poesia? — que a todo tempo sugere imagens de uma natureza que se oferece pela linguagem à contemplação preguiçosa.
"Toda a paz da Natureza sem gente / Vem sentar-se a meu lado", escreve Caeiro nas primeiras linhas do primeiro poema de "O guardador de rebanhos", ofício que desempenha não com o corpo, mas pela alma: "Eu nunca guardei rebanhos / Mas é como se os guardasse." Quando foi a última vez que pudemos experimentar a paz dessa Natureza sem gente? Quando foi a última vez que pudemos experimentar qualquer tipo de paz?
Os versos de Caeiro se deixam guiar pelo princípio de que somos condenados pelo pensamento, "porque pensar é não compreender". Por aqui, pensamos em demasia e pouco ou nada compreendemos. De tanto pensar, desaprendemos, pálidos, pesados, enfermiços — "Pensar é estar doente dos olhos". A cidade nos condena a essa doença. A cidade, o trabalho, o acúmulo de contas e cartas e corridas.
Alegria e tristeza nos aparecem porque somos vítimas de um raciocínio interminável, de uma inteligência nervosa. E se não pensássemos? E se houvesse um modo — maior das utopias — de viver pela e para a contemplação? "Como um ruído de chocalhos / Para além da curva da estrada, / Os meus pensamentos são contentes. / Só tenho pena de saber que eles são contentes, / Porque, se o não soubesse, / Em vez de serem contentes e tristes, / Seriam alegres e contentes." O segredo, para Caeiro, é não saber.
É bonito e triste ler poesia sabendo-se vítima do relógio, reconhecendo-se condenado por obrigações, forçado ao pensamento, cobrado por escolhas. Outro dia, também por acaso, em um evento acadêmico, me reencontrei com uma frase do poeta russo Vladimir Maiakovski: “Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz”. Pensei (pensar é estar doente) se ainda estaria vivo o homem feliz de Maiakovski, se continuaria feliz no Brasil de 2024.
Mas voltemos a Pessoa, ao Caeiro que na alma guarda rebanhos, ao seu lamento diante de nossa perpétua ignorância: "Ah, como os mais simples dos homens / São doentes e confusos e estúpidos / Ao pé da clara simplicidade / E saúde em existir / Das árvores e das plantas!"
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