
Jáder Santana é jornalista e Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Jáder Santana é jornalista e Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
É preciso traçar uma linha entre as esquerdas. Não é mais possível, como havia sido durante tanto tempo, reafirmar uma adesão que, se não era absoluta e irrestrita, pelo menos se realizava na e pela identificação de princípios e argumentos, de bases e motores que eclipsavam razoáveis (e naturais) divergências entre correntes distintas e distintos níveis de ação. Ficou para trás esse tempo.
No Brasil de 2024, pós-bolsonarista, de um capitalismo colérico que nem mais pode ser chamado de "tardio" — talvez fosse mais adequado nomeá-lo, como já o fazem alguns, de "neofeudalismo" ou "capitalismo de vigilância" —, é preciso reconhecer que não nos reconhecemos mais em um modelo de esquerda delusional, tão confiante em sua própria agenda (uma agenda em grande parte importada) que se tornou cega e surda para o que é matéria, para o que cruza e suplanta os campos do discurso e da fala.
Não é mais possível afirmar essa ampla adesão. Não há como aderir a uma esquerda que, encastelada em torres flutuantes entre nuvens de flores e cirandas, elege como prioritárias batalhas que soam imorais quando colocadas ao lado de questões e crises que, para ela, alucinada em sua autoridade intelectual, parecem inacessíveis. São, de fato, inacessíveis, porque estão abolidas de forma quase definitiva as pontes e elos que em outros tempos permitiam o diálogo entre os que ocupam castelos e os moradores de barracos.
Quando ainda havia pontes, havia também espaço para essa adesão. Alguém se dizia de esquerda porque importava, mais que a diferença, o pragmatismo da luta contra a violência de classe e pelo acesso universal à saúde. Dizia-se de esquerda porque também eram universais as pautas de trabalho e educação, de cultura e lazer. Dizia de esquerda porque ainda importavam os trabalhadores — os mesmos trabalhadores que acabaram dispensados em um movimento masturbatório que estende tapete vermelho para progressistas ocasionais cujo bem-estar quase independe do espectro político conduzido ao poder.
O problema não é só nosso e nem nosso deveria ser. Mas, habituados que estamos, nós, os encastelados, a trazer de fora os modelos de nossa própria implosão, reproduz-se aqui (no sentido biológico do verbo) um derretimento de princípios, uma inversão de prioridades, um esvaziamento de sentidos que, se já soaria descabido em países "desenvolvidos", mostra-se ainda mais obsceno em uma nação que parece incapaz de sair das primeiras posições nas listas de países mais desiguais do mundo.
Então, é preciso traçar uma linha entre as esquerdas. É preciso ir além da distinção, da separação. É preciso dizer-se de uma esquerda e não de outra. Mais que isso, é preciso negar — como negamos ditadores e reacionários, como deveríamos ter negado genocidas e picaretas — essa esquerda excêntrica interessada apenas em suas próprias abstrações e ocupada na reprodução artificial de sua própria infertilidade.
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