
Jáder Santana é jornalista e Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Jáder Santana é jornalista e Jáder Santana é jornalista e doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Alguns dias atrás, num domingo, decidi assistir, sem interrupções, às quase cinco horas do documentário "Ao caminhar entrevi lampejos de beleza", do Jonas Mekas. Já havia visto alguns filmes seus, mas desse que é seu título mais conhecido, apenas alguns fragmentos. A metragem não ajuda — é difícil dispor de tanto tempo livre e, quando finalmente o encontramos, é ainda mais difícil manter intacta nossa atenção em meio à infinidade de estímulos e distrações que nos reclamam.
Falam de "economia da atenção" para se referir à problemática da constante perturbação de nosso foco. Tenho ressalvas com a expressão, que empurra o jargão mercantil (gerenciamento, capitalização, commodity) para tratar de um problema cuja matriz é, justamente, a violência da penetração, em nossas vidas, dos resíduos de uma economia predatória que gera desejo e exclusão. De qualquer modo, é a expressão de uso corrente e está na ponta da língua de coaches messiânicos e terapeutas de Instagram.
Assistido em 2024, o filme de Mekas, um cineasta lituano que chegou aos Estados Unidos no fim da década de 1940, depois de viver os horrores da Segunda Guerra Mundial, é uma experiência histórica e artística que, como toda peça de arte digna desse nome, provoca meditações não apenas sobre conteúdo e forma, mas também sobre o modo por meio do qual a consumimos e a ruminamos.
Na dimensão de conteúdo e forma, o filme, um experimento formal de vanguarda cinematográfica, comove pelo anacronismo das intuições que desperta. Elaborado como uma montagem desordenada dos "lampejos de beleza" capturados pelo autor ao longo de quatro décadas de sua presença nos EUA, reúne fragmentos da vida doméstica e social que compartilhou com esposa, filhos e amigos. A intuição anacrônica: o que o separa, então, da profusão de imagens fragmentadas e amadoras que nos invadem o celular a cada segundo?
A diferença entre Mekas e o feed de nossas redes é mais sensível que concreta e reside, talvez, na intencionalidade. Enquanto o cineasta colecionou imagens por quarenta anos antes de publicá-las — em um processo que envolve maturações, abandonos e resgates —, o conteúdo que nos chega agora vem guiado pelo signo do instantâneo, pela intenção de sucesso, pela lógica (econômica) do algoritmo, à qual nos submetemos espontaneamente. Mekas experimentava com a vida para fazer arte. Nós seguimos o mercado para, com nossas vidas, produzir lixo.
Em relação à outra dimensão, de consumo e fruição de obras artísticas, o filme de Mekas é notável por reivindicar uma atenção que já nos parece insólita. Não temos tempo e, quando temos, o que nos falta é interesse. Fomos convencidos a trocar a atenção pela produção, e mesmo quando colocados diante de uma obra que nos requisita por inteiro, pensamos primeiro em como transformar aquela experiência em produto. É o que fizeram com o pobre Hirayama, do filme de Wim Wenders, que deve disputar com Frida e Che o posto de iconografia máxima dos obtusos.
Outro dia, enviei um questionamento ao responsável pelas redes sociais do Cinema do Dragão do Mar: de que servem os avisos proibindo o uso de celular durante as exibições se vocês mesmos publicam todos os dias vídeos e fotos feitos pelo público dentro das salas, no momento das projeções? A resposta não me convenceu. Voltei a questionar e, como era de se esperar, fiquei sem retorno. É nossa sina: economia de mais, atenção de menos.
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