Logo O POVO+
O incerto futuro na Itália
Foto de João Marcelo Sena
clique para exibir bio do colunista

Editor de Política do O POVO, escreve sobre Política Internacional. Já foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO

O incerto futuro na Itália

Tipo Opinião
GIORGIA MELONI lidera o Fratelli d'Italia, 
de extrema-direita (Foto: ANDREAS SOLARO / AFP)
Foto: ANDREAS SOLARO / AFP GIORGIA MELONI lidera o Fratelli d'Italia, de extrema-direita

A vitória de Giorgia Meloni nas eleições da Itália no último domingo, 25, representa uma série de marcos para o país que detém a terceira maior economia da União Europeia. Pela primeira vez a população de um membro fundador do bloco escolhe nas urnas a extrema-direita e, também de forma inédita, uma mulher deverá ocupar o cargo de primeira-ministra na República Italiana.

São algumas as razões que ajudam a explicar a expressiva votação do Fratelli d'Italia (Irmãos da Itália ou FdI), partido de inspiração e programa abertamente fascista. Ou pós-fascista, como preferem alguns. Meloni, que já declarou admiração por Benito Mussolini, tem como pautas principais a anti-imigração (sobretudo de muçulmanos) e a revisão do papel dos países na União Europeia.

Meloni foi a única líder entre os maiores partidos italianos a fazer oposição ao governo de Mario Draghi desde o início, em fevereiro de 2021. Enquanto as demais legendas formavam uma frágil coalizão de governo rompida poucos meses antes da eleição, ela capitalizou politicamente as insatisfações da população italiana com a alta da inflação.

Para se ter uma dimensão, o FdI teve 2% e 4% nas eleições gerais de 2013 e 2018. No último domingo, saiu das urnas com aproximadamente 26% e como partido mais votado na Itália.

A ampla maioria que Meloni deverá ter em mãos será fruto da coalizão formada com a Lega e o Forza Italia. O primeiro, liderado pelo ex-premiê de extrema-direita Matteo Salvini (aquele amigo de Jair Bolsonaro, chamado por ele certa vez de “Salvati”). O segundo tem à frente Silvio Berlusconi, ele mesmo. Aos 86, o bilionário da mídia italiana volta ao poder nove anos após ser alijado da política por envolvimento, condenação e prisão em escândalos que iam de corrupção à exploração sexual de menores de idade.

Toda essa “gente de bem” da direita e da extrema-direita italiana agora está unida para formar um governo nos próximos dias. As incertezas quanto ao futuro começam logo de cara nas disputas de poder entre Meloni, respaldada pelas urnas, e Salvini e Berlusconi, duas figuras com pouca afeição a um papel político secundário.

Na Itália, com um histórico e um sistema político institucional que favorecem a instabilidade, não é difícil projetar um cenário no qual a aliança conservadora que se forma agora tem grandes chances de ser efêmera. Desde o início da República Italiana, há 77 anos, foram 45 trocas de chefe de governo. Na média, uma mudança de primeiro-ministro a cada 20 meses. Pegando como comparação dois regimes parlamentaristas, Reino Unido e Alemanha tiveram, respectivamente 18 e 9 trocas de governo desde o fim da II Guerra.

O perigo que a história ensina

Qualquer pessoa que tenha frequentado a escola e reconheça a importância da educação fica se perguntando como alguém que faz apologia aberta a Benito Mussolini chega ao poder? Como alguém que se inspira na ideia de aniquilação do diferente ascende ao poder em pleno 2022?

A discussão sobre ainda existirem grupos que flertam com o fascismo ou outros regimes totalitários e recebem aval de uma sociedade é longa, marcada de nuances e não caberia em um texto apenas. Certo é que a Itália não coibiu as formações políticas do pós-Guerra que se diziam herdeiras de Mussolini e prometem há quase oito décadas seguir seu legado nefasto de destruição humana. Algo que a Alemanha conseguiu controlar com mais sucesso.

Com o fascismo, a polarização está entre um lado que quer destruir e outro que é destruído. Ou seja, não pode haver margem para contemporizações, sob o risco de uma total ruína civilizatória. Uma sociedade minimamente saudável e o fascismo não coexistem. Porque o ódio começa em um discurso e termina com uma pessoa esfaqueando e matando barbaramente outra em um bar no Interior do Ceará por um posicionamento político diferente, por exemplo.

O lema do FdI e de Giorgia Meloni é o mesmo da Itália das décadas de 1920 e 1930: “Deus, pátria e família”. Palavras que os ouvidos brasileiros estiveram mais habituados a escutar nos últimos quatro anos. Com um acréscimo de “liberdade” no fim, como se a inspiração não fosse evidente o bastante.

Daqui a cerca de um mês, em 31 de outubro, completam-se cem anos da chegada de Benito Mussolini ao poder. Por esses dias, estima-se, Giorgia Meloni deve ser oficializada como primeira-ministra italiana em uma coincidência que já nasce infame.

Não vejo muito sentido na ideia de uma história que sempre se repete, como se as pessoas ou uma sociedade estivessem sempre condenadas a um destino pré-determinado. Mas as vezes a história rima de uma forma muito sombria.

 

Foto do João Marcelo Sena

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?