Editor de Política do O POVO, escreve sobre Política Internacional. Já foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO
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O emir do Catar, Tamim ben Hamad Al-Thani, ensaiou bem o discurso que faria a bilhões de pessoas na abertura da Copa do Mundo no último domingo. Com palavras que, possivelmente, nem ele, nem seus antecessores dinásticos, tenham usado, o monarca falou em “tolerância” e “diversidade”
"Pessoas de diferentes raças, nacionalidades, crenças e orientações se reunirão aqui no Catar e em torno das telas de todos os continentes. Como é bom que as pessoas deixem de lado o que as separa para preservar sua diversidade e o que as une ao mesmo tempo. Estamos aqui reunidos como uma grande tribo. Com tolerância, respeito, podemos viver juntos”, disse o emir, que só engana quem quer ser enganado.
O Catar é, na prática, uma monarquia absolutista na qual você será perseguido ou mesmo morto se for LGBTQIA+. Você terá uma porção de direitos restritos se for mulher. Isso tudo sempre valendo plenamente para os nacionais catarianos e, agora na Copa, parcialmente para os milhões de torcedores que estão nesta pequena península do Golfo Arábico.
Sem falar da “kafala”, um sistema brutal de servidão que de moderna só tem o tempo no qual ocorre. Em árabe, “kafala” significa patrocínio. De maneira resumida, os trabalhadores imigrantes não têm controle sobre seus vistos, precisando pedir autorização ao empregador para mudar de trabalho ou mesmo voltar para casa.
Isso permite a este empregador a possibilidade de abusos como retenção de passaporte do empregado, não pagar salário para saldar dívidas de traslado e aplicação de jornadas excessivas em um país onde faz 50°C em boa parte do ano. Em outras palavras, trabalho análogo à escravidão que serviu de alicerce para a construção de estádios e obras de infraestrutura para a Copa.
A restrição severa ao consumo de bebidas alcóolicas nos estádios do Catar é o menor dos problemas desta Copa. Mas representa bem a perda de poder da Fifa desde a deflagração em 2015 da operação que alijou do esporte ou prendeu parte de sua cúpula por corrupção.
A Fifa, o Catar, a Budweiser e o mundo todo sabiam dos contratos milionários envolvendo o patrocínio e a venda de cervejas durante a Copa. Foram negociadas concessões no país onde beber álcool é proibido. Até aí, beleza. O que pegou foi o Catar descumprir acordos dois dias antes da abertura do Mundial e quase inviabilizar a comercialização de álcool. A Fifa vai fazer o que? Cancelar tudo na véspera?
Mas o pior também não é isso. Se o Catar vai e descumpre um acordo firmado há muito tempo, qual garantia temos que questões relacionadas a direitos humanos vão ser respeitadas? Ontem, a Fifa já proibiu o uso de braçadeiras dos capitães que façam menção aos direitos da comunidade LGBTQIA+. Qual a próxima?
E troféu constrangimento da Copa, por enquanto, vai para Gianni Infantino. O presidente da Fifa, um homem branco europeu, tentou minimizar as críticas ao Catar - o que ele nem precisava fazer - e fez comparações sem sentido ao dizer que se sentia como um "catariano, árabe, africano, gay, deficiente, trabalhador imigrante e mulher também.
Já se vai quase uma década, o dia era 24 de abril de 2013. O Brasil se preparava para sediar a Copa do ano seguinte e o então secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, disse em entrevista uma das frases mais marcantes e esclarecedoras sobre os interesses da entidade naquele conturbado processo de organização do Mundial:
“Eu vou dizer uma coisa que é maluca, mas menos democracia, às vezes, é melhor para organizar uma Copa. Quando você tem um chefe de estado forte, que pode decidir, como talvez Vladimir Putin na Rússia em 2018, é mais fácil para nós, organizadores. A principal dificuldade que temos é quando entramos em um país com estrutura política dividida, como é no Brasil, com três níveis, federal, estadual e municipal”, disse o francês à época, se referindo justamente sobre a dificuldade para mudar a legislação brasileira a fim de permitir a venda daquela cervejinha meio fria nos estádios na Copa do Brasil.
As declarações que já eram estapafúrdias em 2013 soam até irônicas nos dias de hoje.
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