Joelma Leal assume como ombudsman do O POVO no mandato 2023/2024. É jornalista e especialista em Marketing. Atuou como editora-executiva de sete edições do Anuário do Ceará, esteve à frente da coluna Layout por 12 anos e foi responsável pela assessoria de comunicação do Grupo, durante 11 anos.
Em suma, para além da seara corporativa, ética é igual a bom senso. Ambos não se aprendem em uma disciplina da faculdade ou lendo livros. Vêm de berço, da conduta do dia a dia
Foto: Reprodução
Entrevista de Lula à TV Record, no dia 16 de julho de 2024
Seja qual for a relação - no âmbito pessoal ou profissional -, a confiança é fundamental entre as partes. No cenário jornalístico, um exemplo bem recente ilustra a questão e faz refletir sobre papéis, responsabilidade e limites.
A jornalista Renata Varandas, correspondente da TV Record em Brasília, realizou uma entrevista presencial, na manhã de terça, 16 de julho, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A íntegra da gravação iria ao ar às 19h55min do mesmo dia, no principal telejornal da emissora e, ao longo do dia, trechos seriam disponibilizados no portal R7, também integrante do Grupo comandado por Edir Macedo.
Até aqui, tudo dentro da normalidade. Entrevista e apuração fazem parte do cotidiano da profissão. Exclusivas são as buscas incessantes dos profissionais. O que fugiu do admissível foi o fato de informações terem sido vazadas, antes de o conteúdo ser veiculado pelas plataformas do Grupo Record, onde a apresentadora era funcionária, desde 2007. A demissão foi efetivada na quinta-feira, 18 de julho.
Para além do vazamento, o que já seria grave, trechos foram disseminados fora do contexto, o que ocasionou impactos relevantes também no mercado financeiro, de acordo com especialistas.
Contextualizando
Renata e outras duas jornalistas são sócias da Capital Advice, criada há quatro anos. A apresentação, presente no site da empresa, a define como: "Uma casa de análise política com sede na capital do Brasil. Referência no Brasil e no exterior, atendemos corretoras, assets, gestores de fundos e gestores de patrimônio (multi family offices). Nossa equipe tem 20 anos de experiência em cobertura política para grandes veículos, com fontes nos Três Poderes. Apuramos e organizamos informações fundamentais aos nossos clientes, e traçamos cenários que auxiliam no (sic) tomada de decisões de alocação de recursos."
Antes de o primeiro material ser publicado pela Record, a corretora BGC Liquidez DTVM Ltda, cliente da Capital Advice, encaminhou a investidores um texto atribuído à empresa de Renata, que trazia, dentre os assuntos abordados, falas de Lula relacionadas à sucessão do Banco Central e do arcabouço fiscal.
Um dos trechos do informe, distribuído pela corretora, afirmava: "O presidente Lula disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 bi e R$ 20 bi no relatório de 22 de julho". Contudo, a fala sobre cortes não foi de Lula, mas sim da própria jornalista, em uma de suas perguntas.
As implicações também puderam ser observadas na variação do dólar, que, conforme economistas, foi impactada por causa das supostas declarações do presidente relacionadas à incerteza fiscal.
Por meio de um comunicado, a emissora Record afirmou não ter tido conhecimento acerca do vínculo da funcionária com a empresa: "A Record esclarece que soube da ligação da repórter Renata Varandas com a Capital Advice somente após a divulgação do release da agência. A emissora deixa claro que condena qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado em entrevistas feitas por nossas equipes".
Entretanto, o perfil dela no LinkedIn (plataforma de mídia social focada em negócios e emprego) a apresenta como "Repórter política. Sócia da Capital Advice Análise Política. Media Training. Mestre de Cerimônias". Até o fechamento desta coluna, Renata não havia se pronunciado.
A descrição da entrevista de 37'32'', disponível no YouTube, resume: "O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi entrevistado nesta terça-feira (16) pela repórter Renata Varandas para o Jornal da RECORD. Na conversa, Lula afirmou que o governo seguirá as regras do arcabouço fiscal e que revisará os gastos públicos para que o governo consiga cumprir a meta fiscal neste ano. 'É que nem tudo que eles tratam como gasto, eu trato como gasto. Às vezes, fico irritado porque eu não sou marinheiro de primeira viagem. Eu sou o presidente da República mais longevo desse país depois de Getúlio Vargas e Dom Pedro II. Eu tenho experiência de administração bem-sucedida', destacou".
Após o estouro do episódio, a jornalista virou case sobre atitudes aceitáveis, atuação ética e acerca da confiança entre as partes. Há claros conflitos de interesse, logo ficou insustentável sua permanência na emissora.
Fazendo comparação, a partir desse fato, teria sentido um repórter, um editor ou um produtor de um veículo de comunicação atuar simultaneamente como assessor de imprensa na área em que ele atua? Não. É, no mínimo, complicado. A partir do momento em que o assessor tem acesso ou ele próprio produz as pautas, seria natural que os seus clientes sejam contemplados ou haja influência no material publicado. Seria aceitável?
Em suma, para além da seara corporativa, ética é igual a bom senso. Ambos não se aprendem em uma disciplina da faculdade ou lendo livros. Vêm de berço, da conduta do dia a dia.
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