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A irresponsabilidade do oportunismo
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

A irresponsabilidade do oportunismo

Tipo Opinião

Bons políticos, os que são longevos e sobrevivem a crises, costumam ter o senso de oportunidade aguçado, uma capacidade acima da média de sentir a mudança dos ventos da conjuntura antes que eles estejam anunciados. Assim tomam sábias decisões sobre as alianças a nutrir, sobre os desvios necessários de rota em seu discurso, sobre os barcos que vale a pena afundar e aqueles dos quais convém uma saída de emergência. É uma habilidade fina, que, quando mal exercida, se converte em prova oportunismo às vistas da opinião pública.

Em tempos de redes sociais, faz-se necessária ainda mais inteligência estratégica para a decisão de quando e como tornar públicos os gestos, as omissões e os anúncios que o senso de oportunidade exige. A tentação é imensa: políticos aprenderam a surfar no engajamento que o algoritmo das plataformas alimenta, mas uma publicação apressada, a falta de timing, a condenação precoce ou a declaração de apoio irrefletida cobram um preço alto e, o pior dos pesadelos, não se apagam jamais.

A semana nos rende exemplos de uso pouco inteligente da comunicação política - uso cruamente oportunista. O primeiro deles se deu por ocasião de um crime bárbaro, ocorrido no Instituto Dr. José Frota, hospital municipal. Um ex-funcionário da unidade cuja biometria permanecia ativa adentrou no hospital e matou violentamente um funcionário, além de ferir outro. A cena foi dantesca para todos os envolvidos e findou com uma decapitação em uma das mais importantes unidades de saúde da rede municipal.

O prefeito, de forma precipitada, antes de apuradas as motivações do crime e investigados seus detalhes, acusou o governo do Estado de negligência com a segurança pública, indicando a permissividade estatal com as facções do crime organizado. Até então, imaginava-se que o crime teria relação com as usuais queimas de arquivo e vinganças do tráfico. A declaração foi não só precoce, como irresponsável, porque sugeria o apoio indiscriminado das forças de segurança com as organizações criminosas.

Com o avançar do dia, os detalhes foram revelados e as perguntas corretas feitas: por que a biometria do funcionário demitido permanecia ativa? Que papel tem a guarda municipal na proteção do patrimônio municipal, aí incluídas suas unidades de saúde? Que provas de conluio do governo do Estado com as facções o prefeito, de fato, tem para embasar sua manifestação? Como sabemos que a pauta da segurança rende likes e reações furiosas, não foi difícil concluir que a postagem com erro de timing foi uma tentativa mal executada de reverter os efeitos negativos do episódio em relação à gestão municipal.

Outro que tem tentado, a todo custo, se valer do engajamento tóxico das redes é Ciro Gomes, que volta a repetir, a cada semana, suas ofensas à senadora em exercício Janaína Farias. Não acho que a pequenez de Ciro Gomes mereça muito espaço de análise, mas sempre vale a pena provocar o leitor: que discurso, que personalidade e que ideia valem seu engajamento e seu like? Até que ponto suas rotinas de consumo de informação acabam dando palco para esse oportunismo rasteiro, que mais cria do que resolve os nossos problemas concretos? n

 

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