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As multidões estão cansadas
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

As multidões estão cansadas

É difícil avaliar em que medida isso é um fenômeno duradouro ou passageiro, mas a verdade é que o brasileiro tomado pela polarização parece estar vivendo uma espécie de ressaca, por motivos igualmente polarizados
Tipo Opinião

Chamou atenção o pequeno público que acompanhou, na última quarta-feira, o já tradicional evento de celebração do 1º de maio em São Paulo. A ocasião contou com a presença do presidente da República, um punhado de ministros e o pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo Psol, Guilherme Boulos. Era um momento estrategicamente importante, considerando a necessidade do PT de vincular a imagem de Lula à do futuro candidato, dado ainda pouco conhecido do grande eleitorado paulistano.

Lula acabou pedindo votos para Boulos, em clara violação da lei eleitoral, mas a repercussão mais significativa se deu em torno do esvaziamento do ato. Acusando o golpe, o presidente reclamou da falha na organização do evento, a cargo do ministro Marcos Macedo. "O ato foi mal convocado", uma fala que exprimia a frustração do maior líder sindical da história do Brasil diante de uma aglomeração minguada - e desanimada.

Os apressados fizeram questão de associar a falta de público à convergência de três fatores: a perda de capacidade de mobilização do PT, pelo distanciamento de sua base social; o desfinanciamento dos sindicatos pelo fim da contribuição sindical obrigatória e a incompetência da esquerda para se comunicar em tempos de redes sociais e vida digital. Certamente essas variáveis são importantes, mas penso que o acontecimento merece uma análise mais cuidadosa, porque acho que reflete uma tendência que vai além da esquerda e do petismo.

Digo isso porque, há poucos dias, a outra liderança carismática que polariza com Lula e o PT, Jair Bolsonaro, também falhou em levar uma multidão à praia de Copacabana. No dia 21 de abril, esperava-se uma demonstração de força do bolsonarismo, mas o evento minguou. Culparam o domingo ensolarado de praia, a falha na escolha da data, um feriado dominical, mas a verdade é que, nos momentos de paixão política mais inflamada, pouco importa o clima, o lugar, a data - o público comparece e faz barulho.

O esvaziamento dos dois atos, o capitaneado por Lula e o organizado por Bolsonaro, revela antes uma sensação generalizada de cansaço e de desengajamento coletivo com as grandes manifestações de rua neste ano de 2024. É difícil avaliar em que medida isso é um fenômeno duradouro ou passageiro, mas a verdade é que o brasileiro tomado pela polarização parece estar vivendo uma espécie de ressaca, por motivos igualmente polarizados.

Os representados pela esquerda petista amargam o desencanto de testemunhar o pragmatismo selvagem de um governo sem base parlamentar. Como José Dirceu declarou em entrevista recente, esse é um governo de centro direita, goste-se ou não. Isso implica a disposição para fazer (muitas) concessões a aliados recentes e pouco fiéis em nome de projetos aos quais o petismo não adere. Os bolsonaristas, por sua vez, amargam a desconstrução da aura de incorruptibilidade de seu mito, acossado por uma sucessão de batalhas judiciais sem glamour midiático e sem chance de redenção.

A manifestação de rua, como performance, precisa de uma boa dose de fé e paixão para acontecer com vigor. Fé na política e esperança no futuro andam em falta no leque de expectativas dos brasileiros do presente.

 

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