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O tempo é de buscar responsáveis
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

O tempo é de buscar responsáveis

Comumente rotulados de alarmistas e antidesenvolvimentistas, os estudos realizados por cientistas sérios corroboram um risco que culturas tradicionais indígenas já indicam há décadas: se não mudarmos a nossa relação geral com a natureza e seus recursos, "o céu vai cair", na imagem forte que dá título ao livro de Davi Kopenawa, A queda do céu
Tipo Opinião

De acordo com informações publicadas em reportagem do portal G1, o rio Guaíba, que atravessa Porto Alegre, recebeu o equivalente a 14,2 trilhões de litros de água com as chuvas que despencaram sobre o Rio Grande do Sul entre 1 e 7 de maio. Para dar dimensão da catástrofe, a matéria elucida que esse volume de água equivale à metade do volume do reservatório da usina hidrelétrica de Itaipu, uma das maiores do mundo.

As chuvas extraordinárias provocaram uma cadeia de inundações por toda a bacia hidrográfica: a velocidade de escoamento da água no curso do rio chegou a 30 milhões de litros por segundo, o que explica a rapidez e a surpresa com que cidades inteiras acabaram submersas. Trata-se de tragédia humanitária inigualável na história do Brasil: é como se, em poucos dias, quase todo um estado da federação vivesse o colapso de sua infraestrutura, afetando as condições de vida de milhões. Diante de tal magnitude, é indispensável que nos perguntemos: em que medida se trata de um evento inteiramente imprevisível? E, a partir disso, como aferir as responsabilidades pelas perdas?

Chamo atenção do leitor para o tema das previsões e responsabilidades porque se tem repetido à exaustão que não devemos politizar o trágico, que não é tempo de aferir omissões e indicar responsáveis, quando deveríamos compreender que a realidade nos impõe a conduta oposta. Já sabemos que trabalhos consistentes conduzidos por pesquisadores em estudos encomendados pelo governo em 2015 (e depois engavetado) já davam conta da possibilidade de chuvas em volume extraordinário no extremo sul do país. Não se trata de adivinhação, mas da convergência de conhecimento sobre o clima, sobre a geografia e sobre o comportamento da natureza nas últimas décadas.

Comumente rotulados de alarmistas e antidesenvolvimentistas, os estudos realizados por cientistas sérios corroboram um risco que culturas tradicionais indígenas já indicam há décadas: se não mudarmos a nossa relação geral com a natureza e seus recursos, "o céu vai cair", na imagem forte que dá título ao livro de Davi Kopenawa, A queda do céu.

É ingênuo achar que, na experiência da catástrofe que vem como consequência de uma relação abusiva com a natureza, todos sofrem igualmente. Numa sociedade marcada por assimetrias na distribuição do acesso aos recursos, são os mais vulneráveis, os empobrecidos, as mulheres, as crianças, os idosos, aqueles que sofrem mais ferozmente os efeitos do desequilíbrio ambiental. Por isso, também, se trata de política - de como o poder afeta a vida das pessoas a partir de seu lugar social.

A constatação impõe que o brasileiro desperte, enfim, para uma nova consciência ambiental que o torne mais (muito mais) intolerante à indecência de políticos que vandalizam a legislação ambiental e que contribuem para a aceleração do desajuste delicado dos diferentes biomas brasileiros. Já não há espaço para autoengano: prefeitos, governadores, deputados e senadores, presidente e ministros têm responsabilidade e devem ser cobrados. O desenvolvimento acompanhado de tragédia, morte e colapso econômico não é desenvolvimento, apenas predação para enriquecimento de alguns. n

 

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