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Quando o Parlamento é selvagem
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Quando o Parlamento é selvagem

Não é hábito dos brasileiros acompanhar os trabalhos do Legislativo em nível municipal, estadual e federal, mas deveria. É nos Parlamentos que muito do nosso futuro acaba empenhado por conta de decisões ruins. Neste texto, mencionarei alguns dos temas que, nos últimos dias, chamaram atenção, com grande potencial de dano ao verdadeiro interesse público: devemos permanecer atentos a eles.

É digno de nota o interesse na diminuição da área de preservação ambiental do Parque do Cocó. O projeto de lei, de iniciativa do vereador Luciano Girão (PDT), almeja reduzir uma área equivalente a 11,4 hectares da Zona de Interesse Ambiental nas proximidades da Avenida Santos Dumont. Não é a primeira investida da base governista ao patrimônio natural da cidade: há cerca de um mês, a Câmara Municipal extinguiu duas áreas de preservação e recuperação ambiental em Fortaleza.

A pressão predatória da especulação imobiliária sobre áreas frágeis não é um problema apenas local. No Senado Federal, tramita uma PEC que prevê a autorização para a compra de áreas à beira-mar, reduzindo-se o domínio da União e permitindo um controle privado maior da imensa área costeira que hoje é qualificada como terreno de marinha. O projeto, vendido como meio de regularização fundiária, importará no menor controle público não só da preservação do meio ambiente como pode contribuir para criação de obstáculos imobiliários ao acesso à praia - um bem público, conforme previsão constitucional.

Nos dois casos, temos exemplos de atentados à política ambiental responsável de longo prazo, que fica prejudicada por debates apressados, sem atenção da opinião pública. Os problemas não ficam restritos ao lobby dos especuladores imobiliários. Um tema de grande relevância e sensibilidade também chamou atenção pelo contexto a partir do qual ele foi levado ao rol de urgências da Câmara dos Deputados: a equiparação do aborto ao homicídio.

Trata-se de um projeto temerário, que reduz a aplicabilidade do chamado aborto legal e que eleva a gravidade do tipo penal referente à interrupção da gravidez. A ideia é criar um limite temporal a essa interrupção nos casos em que a lei a autoriza (estabelecer um limite é problemático porque muitas vezes as meninas e mulheres não consegue realizar o procedimento antes das 22 semanas de gestação, inclusive por negativa ilegal do serviço hospitalar). Também se deseja dobrar a pena para a interrupção da gravidez não permitida, que passaria a ser de 6 a 20 anos (na previsão atual, essa pena é de 3 a 10 anos).

O presidente da Câmara quer decretar a urgência do tema, o que garantiria sua votação imediata pelo plenário, como forma de acenar eleitoralmente para seus colegas da extrema direita que, em alguns meses, elegerão o seu sucessor na presidência da casa. A motivação rasteira espanta, assim como a ideia de que um tema tão complexo possa ser votado a toque de caixa como moeda de troca eleitoral, sem preocupação com seus efeitos sociais.

Nossos Parlamentos nunca foram tão selvagens como agora. Só um trabalho diário de cobrança pode controlar o ímpeto e as insanidades de parlamentares sem senso de responsabilidade com o Brasil. n

 

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