
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha sobre a autopercepção dos brasileiros acerca de sua orientação ideológica foi publicada durante a semana, revelando o quão imprecisas as palavras podem ser quando tentam dizer o político. Os números indicam que, muitas vezes, rejeições podem ser potencializadas a depender do discurso utilizado por determinada personalidade política. A tirar pelos dados, parece fundamental, hoje, evitar termos que evocam uma ideia diversa daquela que se deseja comunicar.
Vamos aos números. Em São Paulo, 26% dos paulistanos afirmam ser de direita, enquanto apenas 20% reconhecem-se como de esquerda. O dado ganha complexidade quando o comparamos com as respostas oferecidas pela mesma amostra para outra pergunta: você se definiria como petista ou bolsonarista? 29% dos paulistanos declararam-se petistas contra 17% dos simpáticos ao bolsonarismo. É significativo que haja cerca de 9% dos participantes que se declaram "petistas" e, portanto, simpáticos àquele que é o mais poderoso partido da esquerda, mas que não se identificam como "de esquerda".
O leitor poderia concluir que esse resultado reflete o cenário cultural específico da cidade de São Paulo e sua complexidade de capital financeira do país, mas o Datafolha mostra que não. Em Recife, a tendência é muito similar, até mais acentuada: 35% afirmam ser de direita ante 22% que se reconhecem como "de esquerda". Se considerarmos que a capital é hoje governada por João Campos, uma jovem liderança que herdou o capital político de um relevante nome da esquerda brasileira pós-88, o dado fica ainda mais interessante. O eleitor vota com a esquerda, aprova (e muito bem) o governo municipal, mas não se identifica com os símbolos que a palavra evoca.
O resultado da pesquisa é suficiente para nos mostrar que a identificação ideológica do eleitor brasileiro não pode ser medida com recurso ao binômio "direita/esquerda". As duas palavras, desde sempre arredias a definições estáticas, perderam aderência ao que elas, no passado, já foram capazes de dizer. Hoje, os termos "direita" e "esquerda" evocam menos um programa político e mais uma espécie de identidade, os compromissos morais assumidos por cada um, o horizonte a partir do qual as pessoas são capazes de medir a si e aos outros.
Enquanto as esquerdas, por sua própria culpa, foram incapazes de articular um discurso popular mais unificado, reaproximado com as bases e atualizado pela nova linguagem de um mundo hiperconectado e digital, as direitas (e em especial as mais radicalizadas) capturaram o imaginário social sobre certos valores cada vez mais caros a uma sociedade capitalista em crise: segurança, liberdade econômica, intolerância à corrupção, etc. Afirmar-se de direita, portanto, pode significar mais a aversão ao retrocesso moral e ao risco do que propriamente a adesão a uma visão de mundo conservadora sobre temas como trabalho e economia.
As palavras são importantes porque é através delas que dizemos e construímos o mundo. É tempo de o campo progressista repensar suas estratégias discursivas, seu marketing eleitoral e, principalmente, que futuro utópico o progressismo tem a oferecer ao Brasil.
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