
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Um dos aspectos mais fascinantes da história política é o fato de que ela é arredia a previsões e continuidades. Podemos estimar tendências de conjuntura, mas há sempre um elemento imponderável que pode mudar drasticamente o rumo dos acontecimentos - e, por consequência, a nossa vida. A história da eleição americana deste ano é um exemplo perfeito disso.
O cenário parecia estagnado em um impasse. De um lado, a força carismática de Donald Trump, com todo o vigor que é próprio a quem está na oposição em contextos de tensão e crise. Do outro, um Joe Biden débil, visivelmente fragilizado pelos efeitos do tempo, repetindo lapsos de memória e de raciocínio às vistas do mundo e de seu partido, cujos correligionários revelavam temor ante a impossibilidade de simplesmente retirá-lo da disputa. O desenho favorecia Trump: a eleição se encaminhava para uma vitória republicana, até que um atentado mal sucedido mudou inteiramente a disposição de forças e o cálculo das possibilidades.
O candidato republicano sabe aproveitar chances quando o assunto é exposição na mídia, sua habilidade para reverter a seu favor mesmo os fatos mais negativos é sem igual. Veja sua iniciativa de, alvejado, ensanguentado, erguer a mão para uma foto que já se tornou, aconteça o que acontecer, histórica. A alavancagem da convenção do partido Republicano, que ocorreu logo em seguida, demonstrou o impulso que o atentado proporcionou para agregar e motivar a base do partido trumpista. Muitos, no Brasil e fora daqui, viram o episódio como a versão americana da facada sofrida por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, e não faltou quem declarasse antecipadamente a vitória de Trump.
Mas, se o atentado trouxe um fôlego novo para os republicanos, também ocasionou a movimentação necessária aos seus antagonistas. Acuado, sob pressão, infectado com covid, Joe Biden findou por tomar a atitude mais democrática que se pode esperar de um líder responsável: entendendo que o interesse de todos é mais importante que suas ambições pessoais, o presidente, numa atitude inédita, cedeu espaço para que sua vice assumisse o protagonismo, tornando-se a candidata do partido democrata.
Kamala Harris pode não vencer, mas certamente mudou o cálculo de todas as variáveis, indicando um horizonte de chance de vitória para seu grupo. A ex-senadora é mulher negra, com admirável capacidade retórica e grande vigor, e trouxe à campanha um frescor necessário para a mobilização das bases. Colocou na mesa a defesa intransigente dos direitos das mulheres, ameaçados por Trump, chamou atenção para o passado criminal de seu concorrente, incomodou republicanos porque é uma mulher que gargalha e foi capaz de arrecadar uma quantia histórica de doações em poucas horas.
Harris tem muito desejo de vencer, e entrou em campo sem titubear, tão logo foi ungida por Biden. Mostra que não há força eleitoral sem ambição, trabalho e muita energia. Ela inspira otimismo a todos que sonham com ares mais progressistas. É paradigmático, querido leitor, que seja a gargalhada sonora o seu traço de personalidade que mais incomoda o adversário: é muito difícil vencer, em 2024, uma mulher forte e que ri.
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