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Venezuela e a eleição como farsa
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Venezuela e a eleição como farsa

O sinal mais evidente do déficit democrático venezuelano é percebido na má qualidade procedimental de sua eleição, diante da impossibilidade evidente de aferição da credibilidade de seu resultado
Tipo Opinião

Nenhum regime declaradamente antidemocrático tem condições de se sustentar por muito tempo no Ocidente. Por isso, deste lado do globo, um regime antidemocrático necessita de eleições para se legitimar - e encena o evento como farsa, em que o povo finge que vota, e o "ganhador" finge ter sido ungido por um resultado justo. A Venezuela é um belo exemplo disso.

Embora setores mais ortodoxos da esquerda se sintam incomodados em tecer críticas a aliados com ideologia aparentemente comum, é fundamental que se possa diferenciar o progressismo democrático, que respeita a alternância do poder, do populismo golpista, que sistematicamente oprime a oposição, silencia o povo e degenera as estruturas do estado, confundindo os interesses pessoais de uma liderança carismática e seu grupo com o interesse público.

O sinal mais evidente do déficit democrático venezuelano é percebido na má qualidade procedimental de sua eleição, na impossibilidade de aferição da credibilidade de seu resultado. Se fizermos o exercício de comparação com a realidade brasileira, veremos o quão profissional e sério é o trabalho eleitoral empreendido pelas autoridades brasileiras. O Brasil, como poucos países, é capaz de organizar um ciclo eleitoral com credibilidade.

Não se trata de uma tarefa simples. A eleição começa muito antes de seu grande evento - o dia de votação. Uma autoridade eleitoral cuida do recrutamento e a organização dos eleitores, do controle das candidaturas, da regulação e fiscalização das formas de financiamento, da execução do ato culminante de votação simultânea em um território colossal, da verificação e publicação do resultado, da diplomação e posse dos eleitos. Do início ao fim do ciclo, as etapas são conduzidas por uma equipe que precisa ser independente dos interesses dos candidatos, uma equipe que precisa ser, no sentido próprio da palavra, institucional.

No Brasil, um braço do Poder Judiciário assume a função, o que garante, do ponto de vista da institucionalidade, o necessário distanciamento dos interesses políticos dos candidatos aos cargos do Executivo e do Legislativo. Como agentes não eleitos, legitimados por caminhos que não os da urna, os juízes, com auxílio de servidores de carreira, atuam como árbitros do processo de escolha dos representantes diretos do povo. Garantem, assim, a justiça do procedimento, a regularidade do processo; um trabalho que assegura a qualidade democrática do resultado. Quando, na Venezuela, temos uma autoridade eleitoral que se confunde com o poder Executivo e que se omite na tarefa de apresentar as condições de auditoria dos resultados, percebemos que não houve, no sentido próprio do termo, uma eleição.

E o que cabe a um país democrático como o nosso diante da evidência de que seu vizinho foi capturado pelo autoritarismo? Antes de tudo, tratar Nicolás Maduro não como presidente, mas como candidato de uma eleição sob suspeição. Como mediador regional, o Brasil precisa de boa diplomacia para costurar, junto aos outros atores, o caminho de pacificação, quiçá com novas eleições, colaborando para que o povo venezuelano possa retomar o controle de sua própria vida e estado.

 

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