
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Quando o então governo Jair Bolsonaro cedeu poder aos parlamentares para um controle significativamente maior sobre o orçamento, testemunhamos a criação de um problema grave de governabilidade que transcendeu os limites de um mandato e se tornou um dilema estrutural da república brasileira. Pouco importa quem seja o presidente em exercício, hoje tornou-se quase impossível governar e estruturar políticas públicas racionais e eficientes quando mais da metade do orçamento disponível é alocada de forma dispersa, sem controle central ou rastreabilidade da aplicação. Esse é o cenário do Brasil de agora, que o Supremo Tribunal Federal tenta, com muitos riscos, sanar.
A decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu liminarmente a liberação das emendas impositivas até que seja possível verificar maior transparência na sua utilização parece ter inflamado o Congresso Nacional a iniciar uma guerra contra o Judiciário e o Executivo. É preciso entender que o STF não almeja inviabilizar as emendas, apenas as condiciona ao cumprimento de certas formalidades. Confortáveis com a possibilidade de dispor de uma dimensão inédita e bilionária de recursos, nossos parlamentares não têm muita vergonha em admitir que não lhes interessa transparência - usar o dinheiro público sem possibilidade maior de controle é seu objetivo, especialmente em ano eleitoral, quando esses recursos podem potencializar campanhas no pleito municipal.
Para que o leitor entenda, duas questões estão em debate: a primeira, levemente mais complexa, diz respeito à plausibilidade de que o Poder Legislativo possa decidir discricionariamente sobre alocação de mais da metade do orçamento público de forma descentralizada; a segunda, mais límpida, toca na imposição de transparência sobre o uso desses recursos, a clareza sobre quem recebeu, quando e para que fim o dinheiro foi destinado.
Parece bastante intuito, e confio que os leitores das mais diversas matizes ideológicas irão concordar, que todo recurso público precisa estar sujeito ao controle de contas. Temos o direito constitucional de saber como nosso dinheiro é empregado. As eleições, afinal, servem para que possamos escolher aqueles que oferecem melhores resultados, que têm propostas mais consistentes para as políticas que desejamos ver realizadas. Mais do que isso, só com o controle e a transparência os desvios criminosos podem ser devidamente apurados pelas instituições criadas especialmente para o fim de zelar o interesse público e o cumprimento da legalidade.
Por isso, a reação desproporcional dos parlamentares, que ameaçam retaliar governo e juízes, é tão indefensável, e se apresenta como mais um capítulo da selvageria do Legislativo sobre a qual tenho escrito há alguns artigos. A aprovação da PEC da Anistia pelo Congresso Nacional durante a semana, liberando multas de partidos e tornando letra morta toda uma legislação sobre equidade racial e de gênero, foi apenas a cereja do bolo de um ciclo de absurdos empreendidos pelos senhores deputados e senadores: dinheiro, nossos legisladores querem muito, cada vez mais; controle e prestação de contas sobre seu uso, se possível a eles, de modo algum. n
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